Duas instituições brasileiras, a USP e a UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), estão testando se medidas preventivas melhoram a cognição de idosos e, em última instância, poderiam prevenir demências, como a doença de Alzheimer, e se elas são poderiam ser implementadas na rede pública de saúde.
O projeto tem duração de dois anos e é desenvolvido, ao mesmo tempo, por uma rede mundial de países.
A iniciativa é inspirada em um estudo da Finlândia, de 2015, que demonstrou que um pacote de ações, como atividades física, alimentação rica em peixes, castanhas, verduras e legumes, controle da hipertensão, da diabetes e dos níveis de colesterol e treinos de memória, pode trazer importantes ganhos cognitivos aos mais velhos.
Na América Latina, 12 nações participam do projeto. No Brasil, um grupo de cem idosos entre 60 e 77 anos, mesma faixa etária do estudo finlandês, está sendo acompanhado na USP e na UFMG.
Metade deles apenas participa de reuniões e é orientada sobre os benefícios dos temas acima, e a outra metade é seguida de perto por profissionais da saúde, como educadores físicos, nutricionistas e médicos.
Quatro vezes por semana, durante uma hora, eles fazem exercícios aeróbicos e de musculação, além de treinos cognitivos. Também são orientados a seguir uma dieta equilibrada, mas adaptada à realidade brasileira, e passam por consultas clínicas regulares para o controle da pressão arterial, do diabetes e dos níveis de colesterol.
“Mais do que a eficácia, porque isso já foi demonstrado, queremos verificar a executabilidade [do programa] na nossa população do SUS. Temos uma expectativa de que, considerando a maior prevalência dos fatores de risco no Brasil, o impacto positivo do controle deles vai ser ainda maior [ao visto na Finlândia]”, diz o neurologista Paulo Caramelli, professor da UFMG e coordenador do conselho consultivo da Sociedade Internacional para o Avanço da Pesquisa e Tratamento da Doença de Alzheimer.
A prevenção do Alzheimer ganhou força há dois anos quando um relatório publicado pela revista The Lancet mostrou que 40% demências estão relacionados a 12 fatores de risco modificáveis, entre os quais a baixa escolaridade, o sedentarismo, o tabagismo, o não tratamento da perda auditiva e o descontrole dos níveis de colesterol, de glicemia e de pressão arterial.
Há uma projeção de que em países da América Latina, como o Brasil, até 56% dos fatores de risco para demência sejam passíveis de prevenção. “Justamente por esse perfil de fatores de risco mal controlados”, explica Caramelli.
A OMS (Organização Mundial da Saúde) estima que há 55 milhões de pessoas com demência, incluindo o Alzheimer, em todo o mundo. No Brasil, são 1,2 milhão de casos, a maioria ainda sem diagnóstico confirmado.
Vários países, como Holanda, França e Inglaterra, já implantaram planos nacionais de demência que, além da prevenção, investem em capacitação de equipes de saúde para diagnóstico, em políticas de orientação de familiares e cuidadores.
“As medidas de prevenção ao Alzheimer são o que a gente tem de mais evidência hoje. Funcionam muito mais do que qualquer tratamento. Pelo menos hoje, setembro de 2022. Alguns países que fazem isso há muitos anos e já conseguiram reduzir os novos diagnósticos”, afirma o neurologista Felipe Chaves Barros, do Hospital Israelita Albert Einstein.
Segundo Paulo Caramelli, a hipótese é que isso ocorra porque esses países não têm mais um processo envelhecimento populacional expressivo e já controlam há décadas os fatores de risco dos seus moradores.
“No Brasil, além da transição demográfica ainda estar em curso, a incidência das demências em idosos mais jovens é mais elevada do que em países da Europa e também começa mais cedo justamente porque os fatores de risco não são controlados.”
O neurologista Ivan Hideyo Okamoto, do Hospital Sírio-Libanês, afirma que o tema prevenção é o mais discutido nos congressos mundial de Alzheimer. “Se a gente não consegue interferir no curso da doença, é melhor não tê-la.”
Okamoto lembra que, embora não seja possível evitar todos os casos de Alzheimer apenas com medidas preventivas, no Brasil 400 mil pessoas poderiam ser poupadas da doença se existissem políticas públicas voltadas para esse fim.
“Mas por aqui nem a pressão arterial das pessoas a gente consegue controlar.”
O neurologista Rodrigo Schultz, presidente da Associação Brasileira de Alzheimer, lembra que a reserva cognitiva das pessoas, formada ao longo da vida por fatores como escolaridade, leitura, convívio social, controle das doenças e estilo de vida saudável, é a peça mais importante na prevenção do Alzheimer.
Vários estudos já analisaram cérebros de pessoas, encontraram alterações típicas da doença de Alzheimer em estágio avançado, mas esses indivíduos não apresentaram qualquer sintoma da doença.
A explicação estaria uma reserva cognitiva grande o suficiente para compensar os danos e continuar funcionando normalmente
“Mesmo que no futuro haja drogas muito boas, a prevenção continuará sendo o melhor caminho. É muito menos oneroso e colabora para o não desenvolvimento de outras doenças, como as cardiovasculares”, afirma Schultz.
FONTE: CORREIO DO ESTADO