O ano era 1927. A Primeira Guerra Mundial já havia terminado há quase dez anos, e um novo conflito global ainda iria demorar a acontecer em 1939. No Brasil, o presidente era Washington Luiz. Os jornais cresciam como meio de comunicação, assim como o rádio, uma novidade inventada cinco anos antes.

No interior de São Paulo, em Jaú, um jovem de apenas 13 anos, muito curioso, que adorava mexer com parafernálias elétricas, teria criado o primeiro chuveiro elétrico. Francisco Canhos trabalhava na padaria do pai, mas aproveitava o tempo livre para aperfeiçoar a sua invenção. Começou a produzir o modelo artesanalmente, cuja tecnologia aprimorou ao longo do tempo, e o oferecia de porta a porta na cidade.

Foi só em 1943, aos 29 anos, que ele fundou a Eletrometalúrgia Jauense, dedicada à fabricação dos chuveiros Canhos para todo o país. A novidade, de simples concepção –um aparelho que aquece a água por energia elétrica, por meio de uma resistência”” foi se tornando popular, ao mesmo tempo em que crescia a indústria da higiene pessoal nos Estados Unidos, com a exportação de sabonetes, xampus e cremes dentais.

A hora do banho ganhava outro significado na sociedade pós Segunda Guerra Mundial.

Quase cem anos depois dos primeiros testes de Canhos, a indústria brasileira se dedica a tornar mais popular na África a invenção nacional. As duas maiores fabricantes nacionais do aparelho –Lorenzetti e Fame– vêm aumentando as exportações do produto para países do continente.

“É o sistema de aquecimento de água mais acessível do mundo, com chuveiros a partir de R$ 40, o preço de uma pizza”, diz a gerente de exportação da Fame, Maria Prado. “Chegamos a países como o Sudão, em que a população mais pobre simplesmente não tinha uma alternativa barata para tomar banho quente.”

Apesar de ter desbravado o mercado no Sudão, a Fame teve que interromper as vendas recentemente, por conta da instabilidade política no país.

Mas a empresa segue firme nas exportações para Etiópia, África do Sul, Costa do Marfim, Tanzânia e, especialmente o Quênia. Maria ressalta que levar o chuveiro para outros mercados não é fácil: envolve uma mudança em costumes já consolidados. “Especialmente em se tratando da cultura do banho, que muda de país para país”, afirma.

O Quênia é a porta de entrada da Lorenzetti para o continente. “Temos um distribuidor no país, que vende para vários outras nacionalidades, como Uganda e Angola”, diz Eduardo Coli, presidente da empresa.
A Lorenzetti faturou R$ 2,2 bilhões no ano passado. “O chuveiro é um produto barato, bom e econômico, que sai do Brasil para 45 países”, diz Coli.

Cerca de 13% da produção de chuveiros da Lorenzetti é exportada, em especial para países da América Latina. “A maior parte das vendas é de modelos mais em conta, no formato de sino, que custam entre R$ 50 e R$ 80 no Brasil.”

Segundo ele, as vendas no continente africano poderiam ser ainda maiores se a remarcação de preços não fosse tão alta. Ele também reclama da pirataria da China. “Eles copiam os modelos brasileiros e colocam qualquer marca para vender na África.”

Na Fame, as exportações representam 7% do faturamento, não revelado. Os produtos também têm maior presença na América Latina.

“O Peru é o maior importador de chuveiro elétrico do mundo, mas outros mercados importantes são Bolívia, Paraguai, México, Costa Rica, Guatemala, Equador e Cuba”, afirma Maria.

Países africanos ainda não estão no foco da Dexco, dona da marca Hydra Corona. A empresa informou, em nota, que se dedica à consolidação da marca nas Américas. Entre os principais importadores estão Paraguai, Guatemala, Bolívia, México, Peru e Costa Rica.

Os números do mercado de chuveiros no Brasil não são auditados. Mas, segundo a Lorenzetti, líder do setor, as vendas de chuveiros giram em torno de 25 milhões de unidades por ano, o que movimenta pouco mais de R$ 3 bilhões ao ano no varejo.

Uma das maiores varejistas de material de construção do país, a Leroy Merlin, afirma que no acumulado de janeiro a julho deste ano, houve crescimento de 2,3% na venda de chuveiros eletrônicos e de 33% na de resistências elétricas.

“Apesar do aumento maior nas resistências, esta é uma compra pontual. Percebemos que a troca do chuveiro por um modelo melhor tem aumentado significativamente”, diz Jaime Fender, gerente de produto da varejista. Ele destaca que os chuveiros costumam “queimar” mais no inverno. É a principal época do ano para venda da categoria e de resistências.

Equipamento gasta menos água, mas consome mais energia

“O chuveiro costuma ser o aparelho da casa que mais consome energia elétrica, mas consome menos água, por ter menor vazão”, diz Danilo Delmaschio, fundador da empresa O Empreiteiro.

“A ducha, por sua vez, consome mais água e também exige um maior investimento no sistema de aquecimento próprio –a gás, como é comum na Europa, ou de caldeira, como nos EUA”, afirma.

Mas, ao longo do tempo, o investimento no sistema de aquecimento é compensando pelo consumo menor de energia, diz.

Delmaschio destaca como ideal o uso do chuveiro híbrido, ou flex, que utiliza a energia elétrica para aquecer a água e, quando ela atinge a temperatura desejada, passa a ser esquentada pelo aquecedor a gás ou solar.
A Hydra Corona, por exemplo, aposta em chuveiros digitais híbridos, que custam cerca de R$ 700.

Nestes aparelhos, o usuário pode escolher a temperatura exata do banho e o consumo de água é controlado.
Uma tecnologia que Chico Canhos, falecido em maio de 1988, talvez nem pudesse imaginar.

O inventor só fez o pedido de patente nos anos 1940, mas já era tarde, outras empresas já estavam fabricando.

Em dezembro de 1952, Lorezo Lorenzetti –filho do fundador da companhia, Alessandro”” fez o pedido de registro no INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial). A carta patente foi expedida em novembro de 1961.

 

FONTE: CORREIO DO ESTADO