Apelidada de ‘COP da África’, a 27ª edição da conferência do clima da ONU conseguiu escapar do fracasso, cenário mais esperado após duas semanas de poucos avanços nas negociações, e chegou a um final surpreendente: os países concordaram com a criação de um fundo para a reparação de perdas e danos climáticos.

O texto prevê a criação de um fundo destinado apenas aos países “particularmente vulneráveis”.
Os países em desenvolvimento mostraram contentamento com o termo, que só apareceu na última versão do documento, na madrugada de sábado para domingo (20).

A Convenção do Clima da ONU, assinada em 1992, traz uma definição ao reconhecer que “países com zonas costeiras baixas, áridas e semiáridas ou zonas sujeitas a inundações, secas e desertificação, e os países em desenvolvimento com ecossistemas montanhosos frágeis são particularmente vulneráveis a efeitos adversos das mudanças climáticas”.

O critério é visto pelos países em desenvolvimento como mais justo do que o sugerido pela União Europeia na última quinta-feira (17). Os europeus propuseram um fundo apenas para “os países mais vulneráveis”, o que poderia deixar de fora economias de médio porte que, sem capacidade de resposta a eventos extremos, são arrasados por desastres climáticos.

Prioridade para os países africanos, assim como para os países-ilha e para as 58 economias mais vulneráveis, a agenda de perdas e danos é um tabu para os países ricos, que temem os custos exorbitantes das reparações de desastres climáticos.

O tema era evitado nas conferências climáticas desde a criação da Convenção do Clima da ONU, há 30 anos, e só entrou na agenda da COP27 nos últimos minutos antes da abertura dessa edição, há duas semanas.

Ao longo das negociações, o bloco em desenvolvimento se manteve unido -apesar dos argumentos do bloco desenvolvido de que economias emergentes como a China não teriam status de doador e não de recebedor de fundos de perdas e danos.

“Hoje, a comunidade internacional restaurou a fé global neste processo crítico dedicado a garantir que ninguém seja deixado para trás. Os acordos feitos na COP27 são uma vitória para o mundo inteiro”, disse em nota, ao final da plenária, o presidente da Aliança das Pequenas Ilhas e ministro do Meio Ambiente das ilhas Antigua e Barbuda, Molwyn Joseph.

PRAZOS

O texto não traz definições sobre como o fundo deve funcionar, prevendo a criação de uma comitê de transição que, a partir de março do próximo ano, será responsável por definir os critérios do mecanismo, determinando quem deve pagar, de que forma, para quais países, em quais situações e prazos.

O comitê deve entregar o resultado do trabalho no final do ano que vem, de modo que os países possam aprovar, na COP28, o início do funcionamento do fundo, que ficaria para 2024.

“Agora cabe à comunidade internacional garantir que o fundo se torne operacional e atenda às comunidades mais vulneráveis e traga um novo capítulo para uma cooperação mais forte”, afirmou Oscar Soría, diretor de campanhas da Avaaz e observador das negociações.

Os países desenvolvidos manifestaram frustração ao final da plenária. Ao finalmente concordar com o fundo para perdas e danos, o bloco desenvolvido esperava conseguir de volta um compromisso maior com a redução das emissões de gases-estufa -uma mensagem vitoriosa para os contribuintes dessas nações.

No entanto, o bloco em desenvolvimento se manteve unido ao longo das negociações e respondeu firmemente ao pedido de ‘ambição nas metas climáticas’. Segundo o bloco do G-77 e China, para haver mais esforço na redução das emissões, os países ricos precisam cumprir suas promessas com o financiamento climático.

O fantasma dos US$ 100 bilhões continuou sendo lembrado até o final desta COP -a promessa foi feita pelo bloco rico para 2020 e só deve ser cumprida no ano que vem.

Após a adoção da decisão final da COP, o vice-presidente da Comissão Europeia, Frans Timmermans, declarou na plenária que os europeus saem da COP desapontados com a falta de um texto mais forte.

“Muitos atores não estão prontos para se comprometer e retrocederam em relação a Glasgow [sede da COP26]”, disse Timmermans.

“Estamos orgulhosos do fundo [de perdas e danos], mas insistimos que estamos longe de conseguir a ação necessária para evitar que haja mais perdas e danos: a rápida redução nas emissões”, completou.

COMBUSTÍVEIS FÓSSEIS

Com a crise energética decorrente da guerra na Ucrânia, os europeus também perderam credibilidade para pedir mais esforços na redução das emissões, já que o bloco precisou voltar a apelar para o carvão, a energia nuclear e também a novos investimentos em exploração de fontes fósseis em países africanos, em busca de independência do gás russo.

Diante da conjuntura de guerra e crise energética, a decisão final da COP, que ensaiava desde o ano passado uma menção à eliminação dos combustíveis fósseis, acabou neste ano afirmando o oposto. O texto aceita um mix de energia com todo tipo de combinação.

“Salienta a importância de reforçar um mix de energias limpas, incluindo energias de baixas emissões e energias renováveis, a todos os níveis, no âmbito da diversificação dos mixes e sistemas energéticos, em linha com circunstâncias nacionais e reconhecendo a necessidade de apoio para transições justas”, afirma o texto, que também reconhece, no parágrafo anterior, uma “crise energética sem precedentes”.

Com intensa participação do parlamentar britânico Alok Sharma, que presidiu a conferência no último ano, a COP27 buscou repetir em sua decisão final conquistas do texto assinado na Escócia.

Na decisão final da COP27, países mantiveram a menção à importância de manter o aquecimento global abaixo de 1,5ºC, a despeito da resistência de países em desenvolvimento que temem uma renegociação do Acordo de Paris, já que o documento, assinado em 2015, era mais flexível ao admitir um aquecimento de até 2ºC.

Outra agenda trazida da COP26 e vista como uma renegociação de Paris pelo bloco em desenvolvimento trata do programa de trabalho de mitigação. A proposta busca estreitar o acompanhamento sobre a implementação das metas climáticas dos países, fazendo uma atualização anual dos compromissos.

Para os países em desenvolvimento, a proposta de acompanhamento global briga com o conceito de contribuições nacionalmente determinadas (NDCs, na sigla em inglês), acordado em Paris.

Sem clareza dos blocos sobre como o acompanhamento deve funcionar, o programa ganhou um primeiro desenho de escopo, mas ainda deixa definições para as próximas conferências.

 

FONTE: CORREIO DO ESTADO