“Cada mensagem que chega traz uma nova esperança”, resume Edjane Costa, 41, após publicar nas redes sociais um pedido de trabalho de faxineira.
Procurando emprego há mais de seis meses, após deixar uma vaga de serviços gerais em um restaurante, ela se emociona ao falar dos cinco filhos que esperam com ela ao lado do celular.
“Trabalhei desde a adolescência como babá e doméstica, e a minha experiência é o que vai me salvar agora”, conta a cearense, que busca oportunidades em Camocim (a 272 km de Fortaleza). A família hoje depende da aposentadoria da mãe dela e do benefício do Auxílio Brasil.
“Coloquei um anúncio para ser fixa ou diarista, mas prefiro trabalhar em uma casa só. Com uma patroa, dá para colocar o serviço em dia aos poucos. Fazer diária na casa uma vez por mês é exaustivo -um dia vale por três, tem de lavar da calçada ao quintal em poucas horas e não há garantia de trabalho.”
Mas, como está difícil conseguir ser fixa em uma casa, ela calcula quanto tem de cobrar pela diária -cerca de R$ 70-, enquanto planeja fazer cursos de formação em culinária.
Já Lavinha Rosa de Jesus, 43, diz que prefere ser diarista, apesar das garantias da carteira assinada. Ela trabalha como faxineira há 19 anos e saiu do interior da Bahia em direção a São Paulo em busca de melhores condições de vida.
Desde jovem, já cuidava da limpeza da casa de parentes e conhecidos, em troca de auxílio para manter seus dois filhos.
“Era uma pessoa nova, já com filho, e ainda com a responsabilidade de cuidar da casa. Era acostumada com o serviço, mas não gostava”, diz.
Após seu marido se mudar para a capital paulista, ela deixou o medo de lado e também migrou.
“Cheguei a trabalhar em uma mesma casa por anos, mas hoje sou diarista -e prefiro assim.”
Para ela, a possibilidade de atuar em diferentes residências traz vantagens, como não depender das condições financeiras de uma só família para manter o trabalho. Consegue ganhar mais como diarista do que na época em que era mensalista.
Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) sinalizam que, após o baque da Covid-19, a retomada do trabalho doméstico no país foi puxada pela informalidade.
De agosto a outubro deste ano, o número de trabalhadores domésticos sem carteira assinada foi estimado em 4,399 milhões. Está apenas 0,9% abaixo de igual trimestre de 2019, no pré-crise (4,437 milhões).
Sonho da carteira
Já o número de trabalhadores domésticos com carteira, historicamente menor, foi estimado em 1,483 milhão no trimestre até outubro de 2022. Ainda está 13,3% abaixo do mesmo intervalo de 2019 (1,710 milhão).
Com esses movimentos, a camada informal aumentou sua participação em relação ao total de profissionais do setor.
O grupo sem carteira passou a representar 74,8% da categoria no trimestre até outubro deste ano, ante 72,2% de igual período de 2019.
Os dados integram a Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua). Segundo o levantamento do IBGE, o contingente total de trabalhadores domésticos foi de 5,882 milhões até outubro passado, 4,3% abaixo de igual período de 2019 (6,147 milhões).
“É uma recuperação puxada pela informalidade”, afirma o economista Ely José de Mattos, pesquisador do laboratório de estudos PUCRS Data Social.
A economista Vívian Almeida, professora do Ibmec-RJ, lembra que as domésticas foram afetadas em cheio pela pandemia em razão das medidas de isolamento social e da impossibilidade de trabalhar de maneira remota.
Agora, há uma recomposição de vagas no embalo da retomada econômica, afirma Almeida. “Foi um trabalho bastante afetado, e a retomada não é linear.”
Para Mário Avelino, presidente do Instituto Doméstica Legal, a pandemia teve um efeito disruptivo no setor.
“Logo no começo da crise, o medo da contaminação foi o principal motivo de tantas demissões. Em seguida, com o fechamento de várias empresas, muitos empreendedores e profissionais autônomos ficaram sem renda e sem condições de manter uma empregada em casa.”
Mais tempo em casa
O home office também levou a uma mudança importante de comportamento por parte dos patrões. Passando mais tempo em casa e mantendo o distanciamento, famílias investiram em eletrodomésticos para facilitar o cuidado com a residência.
Segundo Avelino, o trabalho doméstico vai precisar de adaptação aos reflexos da pandemia. “O modelo híbrido se tornou uma realidade para muitas famílias que antes tinham um empregado doméstico, e muitas dessas pessoas acabaram dizendo que não querem mais alguém fixo, preferem uma diarista.”
Ele defende a importância de a mensalista que virou diarista continuar contribuindo com a Previdência.
“Algumas têm a ilusão de que é melhor não ser fixa, mas as informais deixam de contribuir e perdem todos os direitos. A funcionária autônoma pode gastar pouco e seguir contribuindo para a sua aposentadoria. A recompensa vem depois.”
No trimestre até outubro, o trabalho doméstico gerou uma renda média real de R$ 903 para quem atuava sem carteira no país, conforme o IBGE. O montante é similar ao verificado em igual período de 2019 (R$ 914).
No caso dos trabalhadores com carteira, o rendimento médio foi de R$ 1.486 até outubro deste ano, 4,7% abaixo de igual intervalo do pré-pandemia (R$ 1.560).
Para o economista Cosmo Donato, da LCA Consultores, existe um movimento estrutural, até de antes da pandemia, de aumento do trabalho informal -ficou inviável para muitas famílias sustentar um trabalhador doméstico fixo.
Ele avalia que não é correto dizer que a chamada PEC (proposta de emenda à Constituição) das Domésticas, que regulamentou o trabalho na área, tenha sido negativa, já que o objetivo da mudança na legislação foi aumentar os direitos das trabalhadoras, e não necessariamente elevar o número de pessoas ocupadas nessa função.
Donato também afirma que o que pode ser feito para reduzir a informalidade no trabalho doméstico é a criação de um programa integrado de capacitação, para que essas trabalhadoras tenham oportunidade de atuar em outras áreas.
Segmentos da chamada economia do cuidado, que tendem a crescer com o envelhecimento da população, podem ser saídas para algumas delas.
“A informalidade é um problema e sempre vai ser a porta de saída para momentos de crise, mas a solução de longo prazo é capacitar a força de trabalho para aproveitar a mão de obra de forma digna”, completa.
FONTE: CORREIO DO ESTADO