Por decisão da 3ª Vara Federal de Campo Grande, segue o bloqueio milionário de bens e valores de uma das maiores operações contra crimes usando o mercado de criptomoedas do Brasil, investigada na Operação La Casa de Papel. Uma empresa solicitou a liberação de recursos a que tinha direito, ouvindo a negativa da Justiça. Assim, os cerca de US$ 20 milhões – R$ 124 milhões ou 700 bitcoins à época – seguem indisponíveis.
O Diário de Justiça Nacional trouxe publicação da decisão na quinta-feira (8). Ela faz menção a réus e ao inquérito da La Casa de Papel, que incluiu a apreensão de uma carga com mais de R$ 500 mil em esmeraldas em 20 de agosto de 2021, no posto da PRF (Polícia Rodoviária Federal) em Rio Brilhante.
A empresa, na condição de terceira interessada, pediu a cessação do bloqueio patrimonial. Em checagem, descobriu-se que não havia bens móveis e imóveis vinculados ao seu CNPJ. Nas contas, a soma dos valores não superaria os R$ 1.000.
A manifestação original da Justiça decretou o sequestro de bens móveis e imóveis e ativos financeiros que excedessem o valor de R$ 1 mil dos investigados. Isso até o limite exato de R$ 124 milhões, ou US$ 20 milhões ou 700 BTC. Assim, o montante deveria ser transferido para conta vinculada em juízo. Montantes abaixo de R$ 1 mil seriam imediatamente devolvidos.
Dessa forma, o juiz responsável recorreu a essa decisão para permitir a liberação dos valores à empresa dentro dos limites previstos.
Apreensão de esmeraldas antecedeu a La Casa de Papel
As pedras preciosas apreendidas pela PRF não tinham comprovante de recolhimento de ICMS ou mesmo a concessão de lavra – autorização para extração. Os suspeitos ainda tinham equipamentos ilegais de radiocomunicação nos veículos.
No dia 21 daquele mês, o juiz Vitor Figueiredo de Oliveira, plantonista da Vara Federal de Ponta Porã, já apontara observações do Ministério Público Federal. Elas abordaram suspeitas sobre um réu por conta de transações com bitcoins – as quais, naquele instante, apontara como lícitas e insuficientes para a prorrogação das prisões. Assim, os três presos foram postos em liberdade, tendo de obedecer a medidas cautelares.
No mesmo processo, o MPF apontara elementos que sugeriam “possível branqueamento de capitais”. A prática envolveria uma empresa de fachada e a prática de lavagem de capitais. Com isso, o caso acabou na 3ª Vara Federal de Campo Grande, especializada nesse tipo de processo penal.
Ali, em outubro de 2021, o juiz Bruno Cezar Teixeira também autorizou quebras de sigilos telefônicos de investigados. Com o avanço das investigações da La Casa de Papel, chegou-se a um suposto esquema de pirâmide financeira. O crime captou recursos de mais de 1,3 milhão de pessoas em mais de 80 países desde 2019, em um prejuízo estimado em mais de R$ 4,1 bilhões.
La Casa de Papel apurou pirâmide financeira
O esquema, conforme a PF, envolvia o uso massivo de redes sociais, marketing, reuniões, instituições de líderes arregimentados e até o uso de uma instituição religiosa pertencente a um dos investigados.
A estrutura ajudava na captação de recursos para o que seria um golpe, embalado em pacotes de investimentos ou aportes financeiros. Estes iam de US$ 15 a até US$ 100 mil, em troca de ganhos diários em percentuais altíssimos (chegando a 20% ao mês e 300% por ano).
“Traders” seriam os responsáveis por multiplicar o capital investido e instigar quem já participava do esquema a chamar novos investidores. Isso mediante ganhos percentuais sobre os valores aplicados pelos futuros parceiros – em um sistema chamado de “binário”, mas que, na prática, funciona como uma pirâmide.
Com o tempo, foram incorporados ao esquema investimentos vindos de minas, do mercado de vinhos, viagens e usinas de energia solar e reciclagem, entre outros. Em paralelo, ostentavam para os seguidores nas redes sociais seu “sucesso pessoal”, por meio de viagens internacionais.
O grupo, então, lançou duas criptomoedas próprias no fim de 2021, sem que elas tivessem algum lastro financeiro. Segundo a PF, os suspeitos manipularam o mercado para valorizar uma delas automaticamente, chegando a 5.500% em 15 horas e 38.000 dias depois. Essas moedas virtuais foram usadas também para pagar investidores.
Contudo, depois da alta meteórica, elas perderam todo o valor de mercado, levando à queda quase que completa da liquidez.
Grupo investigado na La Casa de Papel dizia ser da Estônia
Assim, a movimentação financeira era feita pelas contas de suspeitos, empresas de fachada, parentes e terceiros. A entidade religiosa de um dos investigados movimentou mais de R$ 15 milhões – sendo ainda porta de entrada de investidores para concretizar a lavagem de dinheiro.
Além disso, o grupo se dizia sediado na Estônia – um pequeno país europeu na costa do Mar Báltico –, mas, de fato, não existia e não tinha autorização para captar e gerir recursos em nenhum país. Inclusive, era alvo de alerta internacional de órgãos financeiros, como Panamá e Espanha, acerca de se tratar de pirâmide financeira.
A prisão de um dos líderes em Cuba levou à cessação de pagamentos naquele país, alegando que o governo local impedira a empresa de ajudar o país. Na sequência, começaram as dificuldades para pagar os investidores lesados, com prazos cada vez maiores para o resgate.
Eles ainda teriam orquestrado um “ataque hacker” no fim de 2021, pelo qual alegaram prejuízo financeiro e retiveram o dinheiro de investidores com a suspensão de pagamento até a realização de auditoria.
Como resultado, anunciaram a reestruturação do trabalho e migração das operações para uma nova rede para recepção de aportes. Segundo o inquérito, o CEO da empresa ameaçou processar quem registrasse boletins de ocorrência e não efetuar os pagamentos a essas pessoas. Com isso, cessaram as queixas nas redes sociais sobre o caso. Os pagamentos, contudo, continuavam atrasados sob a alegação de problemas no mercado.
A La Casa de Papel foi às ruas em 19 de outubro deste ano. Foram expedidos 6 mandados de prisão preventiva contra os líderes da organização criminosa e 41 de busca e apreensão no Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul, Goiás, Maranhão e Santa Catarina.
Foram bloqueados valores em contas bancárias, imóveis de alto padrão, gado e ovelhas, veículos de luxo, ouro, joias, artigos de luxo, lanchas e criptoativos, bem como uma mina de esmeraldas.
Na operação, ganhou notoriedade a prisão do empresário e cantor Patrick Abrahão. Casado com a cantora Perlla, ele foi detido em um condomínio de luxo no Rio de Janeiro.
FONTE; MIDIAMAX