Câmara dos Deputados e Senado retomam as atividades nesta quarta-feira (1º) com o desafio de avançar em temas de difícil consenso, mas considerados prioritários pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), como a reforma tributária e o arcabouço fiscal que vai substituir o teto de gastos.
Além desses assuntos que exigirão negociações mais intensas, os parlamentares terão que analisar questões como a correção da tabela do Imposto de Renda -que pode vir a ser incluída na proposta de reforma tributária-, o texto que atualiza o teto do Simples e a possível regulação de aplicativos.
O principal esforço de governo e Congresso neste começo de legislatura será voltado às mudanças no sistema tributário. A articulação para aprovar a reforma já vem ocorrendo antes mesmo do início formal dos trabalhos no Legislativo. Em Davos, onde participou do Fórum Econômico Mundial, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) defendeu que as alterações tributárias sejam votadas ainda neste primeiro semestre.
Haddad já teve um encontro com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para discutir a reforma. Antes mesmo disso, deu uma indicação de qual seria o texto priorizado pelo governo, ao escolher como secretário especial para a reforma tributária o economista Bernard Appy, mentor da PEC (proposta de emenda à Constituição) 45, elaborada pelo deputado Baleia Rossi (MDB-SP).
O texto, que propõe a unificação de tributos sobre consumo em um IVA (Imposto sobre Valor Agregado) nacional, foi bastante discutido desde 2019, quando foi apresentado. O debate se deu em paralelo ao de uma PEC do Senado e que cria um IVA dual (com alíquota para governo federal e outra para estados e municípios).
O Congresso chegou a criar uma comissão mista (de deputados e senadores) para integrar as duas propostas, mas a iniciativa não prosperou. Agora, a intenção seria concentrar esforços na PEC 45.
“O grande assunto que se comenta há tantos e tantos anos no país é a reforma tributária. Quem gera emprego entende que isso é absolutamente necessário, e nós simplificarmos a arrecadação de impostos no país é uma necessidade que já passou do ponto”, afirma o deputado Marco Bertaiolli (PSD-SP).
Reservadamente, porém, parlamentares e o próprio governo avaliam que o texto deve ser desidratado, em meio a pressões de setores empresariais.
A discussão da reforma tributária deve se dar junto com o debate sobre a nova âncora fiscal que vai substituir o teto de gastos -mecanismo que limita o crescimento das despesas à inflação do ano anterior. Haddad já sinalizou que pretende apresentar o arcabouço no máximo até abril. O vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) defende que a nova regra leve em consideração a curva da dívida e o resultado primário.
“Se eu fosse ouvido pelo governo, eu priorizaria a reforma tributária e a questão da âncora fiscal. Todo mundo sabe que a lei do teto se exauriu. Acho que o governo teria marcado um posicionamento muito melhor e tinha dado, inclusive, a liberdade para que o Congresso discutisse e identificasse várias questões”, defende o deputado Danilo Forte (União-CE).
Ainda em um esforço de mudar a tributação, o Congresso prevê avançar em uma das propostas de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a alteração do Imposto de Renda. Em Davos, Haddad afirmou que o governo quer votar a correção da tabela do IR no segundo semestre.
Autor de um projeto que estende a isenção do IR para quem ganha até R$ 5.200, Forte defende que a proposta seja incorporada à reforma tributária.
“Não tem sentido quem ganha R$ 1.900 por mês pagar Imposto de Renda. E quem ganha dez salários paga o mesmo que o Neymar paga. Isso também está errado”, criticou. “Eu quero incluir na proposta que eles mandarem, em vez de tramitar separado. Eles [o governo] não querem começar pelo consumidor? Então a gente começa pelo consumidor e discute isso aí.”
Grande parte da resistência que levou o PT a pressionar pela votação do projeto somente neste ano é a possibilidade de perda de arrecadação em um cenário em que o governo aposta em um pacote econômico fortemente baseado em medidas para elevar a receita. Estimativas de economistas indicam que o custo pode superar R$ 100 bilhões.
Outro texto que ficou para este ano depois de encontrar entraves no final do ano passado é o que atualiza o teto do Simples. O projeto amplia o teto de enquadramento da receita bruta do MEI (microempreendedor individual) de R$ 81 mil para R$ 144.913,41, aplicando um reajuste com base no IPCA (índice oficial de inflação) acumulado em 16 anos (quando foi criado o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte).
Também altera outras faixas. Para microempresas, o limite passa de R$ 360 mil para R$ 869,5 mil anuais. No caso de empresas de pequeno porte, sai de R$ 4,8 milhões para R$ 8,7 milhões. A Receita calculou que as mudanças poderiam provocar uma perda anual de R$ 66 bilhões para os cofres públicos.
Para tentar aprovar a proposta, Bertaiolli, relator do texto na CFT (Comissão de Finanças e Tributação) da Câmara, vai sugerir um escalonamento, atualizando o teto inicialmente para R$ 6,4 milhões. O MDB, que, no ano passado, barrou o projeto por temer perda de arrecadação para estados e municípios, manifestou que pode apoiar a proposta.
Outro tema que deve ganhar fôlego, segundo parlamentares, é a regulamentação de aplicativos. Centrais sindicais têm se reunido com o Ministério do Trabalho para debater pontos que consideram importantes de serem incorporados ao projeto, como seguro a motos e acesso à seguridade social. Ainda dentro da discussão de apps está a análise da taxação de plataformas de streaming pela exibição de conteúdo, mas esse debate ainda está incipiente.
Na transição, o governo indicou ser favorável a cotas de tela para produções brasileiras, nos moldes do que acontece com a TV e o cinema, e a taxação dos serviços.
Na retomada dos trabalhos, o Congresso também vai apreciar uma série de medidas provisórias enviadas pelo governo. Duas delas -a que muda o voto de qualidade do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) em favor da Receita e a que transfere o Coaf (Conselho de Atividades Financeiras) do Banco Central para o Ministério da Fazenda- são vistas como de difícil negociação por parlamentares.
A primeira porque muda um entendimento que foi decidido pelo próprio Congresso em 2020, quando determinou que o desempate se daria em favor do contribuinte. No caso do Coaf, deputados e senadores avaliam que, no Banco Central, o órgão estaria menos sujeito a interferências políticas.

 

FONTE: CORREIO DO ESTADO