A emergência em saúde na terra yanomami completa um mês nesta segunda (20) sem transparência nos atendimentos aos indígenas, sem divulgação de dados de óbitos, sem data para montagem de um hospital de campanha na região de Surucucu e com a Casai (Casa de Saúde Indígena) Yanomami lotada de pessoas sem perspectiva de retorno às suas comunidades.
Já a operação para destruição da logística do garimpo e retirada de mais de 20 mil invasores teve início de forma descoordenada entre os órgãos envolvidos. Ministérios do governo Lula (PT) vêm manifestando posições divergentes sobre o tratamento a ser dado à fuga dos garimpeiros, o que pode influenciar o ritmo da desintrusão da terra indígena.
A grave crise, provocada pelo avanço do garimpo ilegal e pela desassistência ao longo do governo Jair Bolsonaro (PL), levou a atual gestão a declarar, em 20 de janeiro, estado de emergência em saúde pública.
A medida foi acompanhada da criação de um comitê de coordenação nacional para ações de saúde na terra indígena e em Boa Vista (RR), para onde muitos indígenas são transferidos em razão do grave estado de saúde. A própria Casai em Boa Vista, que deveria funcionar como um espaço de acolhimento e passagem, foi improvisada como um hospital.
Depois, teve início a Operação Libertação, uma tentativa de desmobilização do garimpo ilegal. A previsão é de que a ação dure de seis meses a um ano. O avanço de mais de 20 mil garimpeiros até regiões antes intocadas, já na proximidade da fronteira com a Venezuela, fez explodir casos de malária, desnutrição grave, infecções respiratórias e outras doenças associadas à fome entre os indígenas, especialmente das regiões de Surucucu e Auaris.
O atendimento médico foi reforçado nessas regiões, com atuação de profissionais da Força Nacional do SUS, convocada para atuar na região. Ao longo do primeiro mês de emergência, o COE (Centro de Operação de Emergências), criado para atuar na crise, optou por não permitir o acesso ao tratamento oferecido aos indígenas das comunidades de Surucucu e Auaris.
A presença da imprensa foi vetada na região, assim como foi restringido o acesso ao que é feito na Casai. O veto ocorreu mesmo com o desejo de lideranças indígenas de mostrar a realidade em comunidades na terra yanomami.
“Ao nosso entendimento, apesar da importância do trabalho da comunicação, nos encontramos em um momento sensível em que precisamos priorizar os atendimentos de saúde aos indígenas, levando em consideração também os pedidos que os líderes indígenas fazem para não ter a entrada de repórteres nas aldeias diante do cenário atual”, disse o COE.
Além disso, apesar da continuidade de mortes de yanomamis após a declaração do estado de emergência, não há dados sobre óbitos nos boletins diários das ações nem no material de divulgação do Ministério da Saúde.
No Hospital da Criança Santo Antônio, da rede municipal de saúde de Boa Vista, houve dois óbitos de crianças yanomamis nos primeiros 11 dias de fevereiro. Um foi por desnutrição grave.
Em janeiro, também houve dois óbitos. Em todo o ano de 2022, foram 29 mortes de crianças na unidade, a única em Roraima que recebe pacientes infantis em estado grave de saúde. O Hospital da Criança acolhe as crianças yanomamis transportadas de avião da terra indígena para Boa Vista.
Os principais atendimentos são de casos de desnutrição grave e malária. Um plano do governo é erguer um hospital de campanha na região de Surucucu, onde os atendimentos são feitos num posto de saúde com pouca estrutura.
Até agora, não há perspectiva sobre esse hospital. No último dia 9, a FAB (Força Aérea Brasileira) disse que a pista de pouso de Surucucu -onde há um PEF (Pelotão Especial de Fronteira) do Exército- depende de melhorias e que isso ainda estava em processo de avaliação.
Um boletim do COE do dia seguinte afirmou que o “deslocamento da equipe responsável pela visita prospectiva para estruturação” do hospital de campanha. Na Casai Yanomami, em Boa Vista, 719 pessoas permaneciam no lugar, conforme boletim divulgado pelo COE no último dia 15.
A impossibilidade de retorno às comunidades foi uma das principais queixas ouvidas por Lula quando esteve na unidade, em 21 de janeiro. O presidente falou sobre isso nas declarações dadas durante a visita.
Quando a reportagem da Folha esteve na Casai, em 24 de janeiro, havia 700 indígenas no espaço, segundo profissionais que atuavam nas ações de emergência. Em nota, o Ministério da Saúde disse que não há segredo quanto aos atendimentos médicos e que boletins diários são divulgados pelo COE.
Em relação aos dados de óbitos, a pasta afirmou que a checagem é feita no momento em que as informações chegam à base de dados do DSEI (Distrito Sanitário Especial Indígena) Yanomami.
“Normalmente isso acontece no retorno das equipes que se revezam a cada 30 dias no território. O COE trabalha para dar celeridade a este processo.” Sobre o hospital de campanha em Surucucu, o ministério apontou precariedades na pista de pouso, “causadas por anos de abandono”, como razão para a falta de perspectiva sobre a unidade.
“Essas dificuldades já estavam previstas no plano de ação do COE, que articula estratégias em parceria com o Ministério da Defesa.” Um balanço divulgado no dia 15 apontou a realização de 3.900 atendimentos de saúde desde a declaração da emergência, dos quais 1.400 se deram nos polos base na terra indígena.
Oito em dez crianças com desnutrição grave tiveram ganho de peso, segundo a pasta. Dezessete dias após a declaração de emergência, o Ibama deu início a ações para destruição da logística do garimpo.
O órgão teve o suporte da Funai e da Força Nacional de Segurança Pública, vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública. Integrantes do Ibama se sentiram excluídos do planejamento para a Operação Libertação, capitaneada pela PF (Polícia Federal) e pelas Forças Armadas.
O órgão ambiental executou as primeiras ações contra o garimpo no dia 6 de fevereiro. PF e militares, no dia 10. O balanço de uma semana da operação deixou de fora dados das ações do Ibama.
Um consenso possível no comando conjunto da operação, que funciona na superintendência da PF em Boa Vista, foi sobre a necessidade de abrir caminhos para garimpeiros em fuga. Mas há divergências, por exemplo, sobre a decisão de abrir corredores aéreos até maio, adotada pela FAB.
O Ministério da Justiça enxerga exagero. A Defesa defende a medida. Também há divergência sobre dar ou não suporte logístico para a retirada de invasores. “A discussão quanto a restrições ou abertura parcial do espaço aéreo na região Norte partiu do Ministério da Justiça”, disse o Ministério da Defesa, em nota.
“O tema está em estudo e possíveis alterações ao longo da operação são decisões ministeriais, que cabem ao Comando Operacional Conjunto Amazônia executar.” O Ministério da Justiça, por sua vez, afirmou que não existe descoordenação nas ações.
“Em que pese haver uma operação integrada, cada instituição não deixa de atuar também dentro de suas áreas de competência constitucional e legal, conforme princípios de conveniência e oportunidade”, disse, em nota.
A pasta não dará apoio ao transporte de garimpeiros, por haver incompatibilidade entre a natureza criminosa do garimpo ilegal e um apoio logístico pelo governo, conforme a nota.
“A prioridade do ministério é proteger o povo yanomami, por meio da retirada dos garimpeiros ilegais do local.”
O governo pouco avançou ainda na investigação sobre a denúncia de que 30 adolescentes yanomamis ficaram grávidas após estupro por garimpeiros.
O relato foi feito por lideranças indígenas a uma equipe do MDH (Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania), que divulgou a informação e disse que daria início a uma investigação prévia. Segundo a pasta, as apurações estão em andamento e não há o que comentar por enquanto.
FONTE: CORREIO DO ESTADO