Quase metade da movimentação do ano passado aconteceu na rota que passa pela parte ocidental dos Balcãs, a mais utilizada por sírios e afegãos, e a segunda maior concentração de chegadas irregulares está no Mediterrâneo central, com desembarque principalmente de egípcios e tunisianos.
Embora tenham recebido abordagem muito mais receptiva por parte da União Europeia, os refugiados ucranianos, que tiveram a entrada e a obtenção de vistos de proteção temporária facilitadas devido à invasão russa, são parte de outra crise migratória no continente.
Quase 5 milhões dos que chegaram depois de 24 fevereiro de 2022, quando a guerra começou, estão de maneira regular na Europa. O tema está na pauta não só de políticos com forte discurso anti-imigração, como a italiana Giorgia Meloni e o húngaro Viktor Orbán.
Representantes de países como Dinamarca, Estônia e Grécia pediram ao bloco medidas mais duras nas fronteiras. O premiê da Áustria, Karl Nehammer, que defende o reforço da cerca entre Bulgária e Turquia, foi outro a cobrar da União Europeia mais dinheiro para barrar imigrantes.
Ao fim do encontro, os países concordaram em direcionar “fundos substanciais” a medidas de vigilância, como torres e câmeras, descartando, por ora, repasse para construção ou manutenção de muros e cercas. Segundo documento elaborado pelo Parlamento Europeu, o número de barreiras físicas nas fronteiras do bloco, por iniciativa dos governos nacionais, saltou de cinco, em 2014, para 19 no ano passado.
Ainda não se discute de forma oficial o impacto imigratório que o terremoto na Turquia e na Síria pode ter na região, mas as condições observadas nos últimos dias formam uma conjuntura que pode levar a uma nova movimentação de refugiados nos próximos meses.
A Alemanha, com grande comunidade de turcos e sírios, foi o primeiro membro da União Europeia a anunciar um esquema para receber refugiados do sismo. Vítimas que tenham parentes regularizados no país podem pedir vistos temporários e receber assistência.
“O nível do desastre é inimaginável. Em algumas áreas, o sentimento é de que foi uma bomba atômica”, afirma à Folha Meryem Aslan, porta-voz da ONG Oxfam na Turquia, desde a província de Hatay, uma das áreas mais atingidas.
“Do nada, as pessoas ficaram sem casa. Algumas delas estão se movendo para encontrar familiares. Quem não tem nada vai para barracas ou contêineres, e aí não se sabe por quanto tempo poderão viver ali. São medidas até que as casas sejam reconstruídas, o que pode levar anos.”
Segundo Aslan, junto a crianças e idosos, os refugiados que já estavam na Turquia fazem parte do grupo mais vulnerável. Antes do terremoto, o país abrigava 4 milhões de refugiados, 3,6 milhões dos quais sírios.
Desde 2016, o país tem um acordo com a União Europeia para combater a imigração irregular em direção aos países do bloco em troca de dinheiro para a assistência humanitária.
“Para eles, é algo desesperador, porque já fugiram da guerra e agora vem o terremoto. Sentem que é a segunda vez que estão sendo forçados a se mover”, diz a porta-voz. Na sua visão, ainda é cedo para dizer que estejam pensando em sair do país.
“Não estão olhando para isso agora. Muitos estão se movendo pela Turquia, ao encontro de amigos e familiares. Muitos estão aqui há anos e têm uma vida estabelecida.”
Para Dimitrios Triantaphyllou, professor de relações internacionais da Universidade Kadir Has, em Istambul, a situação interna da Turquia, que passa por crise econômica e tem eleições programadas para este ano, pode piorar o ambiente para os refugiados.
“É de se esperar que vá ter uma nova onda de refugiados. Se será organizada ou não em direção da Europa, ainda não dá para saber”, afirma. Segundo ele, a questão ganhou peso no cenário político e tem atraído rejeição dos turcos.
“No começo [da crise de 2015-2016], o governo recebeu os refugiados sírios com braços abertos. Mas surgiram problemas dentro da sociedade turca, especialmente enquanto o país enfrenta uma crise econômica séria. Veio a reação de costume: ‘Os estrangeiros estão pegando os nossos trabalhos’.
” A movimentação de refugiados vai depender também da resposta do governo nos próximos meses. “Há muitos refugiados sírios nas áreas afetadas e que não estavam regularizados. Eles também vão receber os subsídios que o governo está anunciando? Se não, eles terão que ir para algum lugar, voltar para a Síria ou tentar achar um caminho para a Europa, pela Grécia, Chipre ou Bulgária”, avalia.
“É natural, baseado no que mostra a história, que as pessoas tentem sair da Turquia.” Ele avalia como paradoxal o debate para o endurecimento do controle das fronteiras, ao mesmo tempo em que o bloco fala em solidariedade com os países atingidos -uma reunião em Bruxelas para arrecadação de fundos foi anunciada para março.
“Muros não são solução, mas o debate mostra o tamanho do dilema.” Para Aslan, da Oxfam, ainda que a reunião do bloco, no início do mês, não tenha tratado dos possíveis reflexos do terremoto, as políticas imigratórias não deveriam ser severas em nenhum caso.
“Elas nunca são pensadas para atender às necessidades das pessoas, mas para mantê-las longe. O comportamento da União Europeia em relação aos refugiados sírios e aos refugiados ucranianos tem sido muito diferente. É uma infelicidade que políticas severas não possam ser relaxadas diante de um desastre.”