O processo de licenciamento para a Petrobras perfurar um poço de petróleo no bloco 59, na região da foz do rio Amazonas, está em fase avançada de tramitação. Após apresentação de estudos ambientais, o plano de emergência e uma simulação de resposta a desastres aguardam aprovação do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).

Reservadamente, especialistas dizem que se o teste for bem-sucedido a licença deve ser aprovada de forma quase automática. Como consequência, há a preocupação de que essa liberação dispare um efeito em cascata para outros blocos ainda não explorados na região, que é considerada ambientalmente delicada.

A área da bacia sedimentar da Foz do Amazonas foi concedida pela ANP (Agência Nacional do Petróleo) em 2013 e faz parte da margem equatorial brasileira, que vai do Amapá ao Rio Grande do Norte. O bloco 59 fica a cerca de 160 km da costa do Oiapoque (AP) e a 500 km da foz do rio Amazonas propriamente dita.

À época da concessão, a fragilidade ambiental da região foi reconhecida por um parecer técnico. O documento cita a biodiversidade e a riqueza de recursos pesqueiros do local, apontando também que faltam estudos para que se conheça mais sobre o lugar.

A área abriga ainda os maiores manguezais do Brasil, na costa do Amapá, e imensos sistemas de recifes de corais, que foram descobertos recentemente e sobre os quais ainda se sabe pouco.

Suely Araújo, especialista em políticas públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Ibama (2016-2018), explica que a gestão de um acidente na região seria difícil. “A área tem correntes fortíssimas que vão na direção da Guiana e da Guiana Francesa. Então, se houver um acidente naqueles blocos, em poucas horas, o óleo não está mais em águas brasileiras.”

Ela conta que, na sua gestão, o Ibama negou à petroleira francesa TotalEnergies a licença de exploração para cinco blocos que ficam perto do bloco 59.

“A Total não conseguiu comprovar que, havendo um acidente, ela conseguiria controlar a mancha de óleo. E um acidente ali poderia ser uma catástrofe do ponto de vista ambiental”, diz.

Os estudos de modelagem da dispersão de óleo incluídos no licenciamento não demonstram a possibilidade de um eventual derramamento chegar à costa brasileira.

“O conhecimento tradicional das comunidades e povos indígenas do Oiapoque diz, porém, que a maré chega à costa brasileira. Que a água entra nas terras indígenas, no Parque Nacional do Cabo Orange, e que, no caso de um vazamento de óleo, com certeza os territórios deles seriam afetados”, afirma Daniela Jerez, analista de políticas públicas da ONG WWF.

À reportagem a equipe de licenciamento ambiental do Ibama explica que alguns aspectos críticos ainda precisam ser resolvidos, especialmente no que diz respeito ao atendimento de animais atingidos por um eventual vazamento de óleo.

Fazem parte da licença, em termos simples, dois planos de emergência: um conceitual e uma simulação. Primeiro a empresa deve elencar, no papel, a cadeia de ações a serem tomadas para a contenção de possíveis acidentes, como derramamentos de óleo. Só depois da aprovação deste documento é que pode ser realizada a simulação no local.

O plano conceitual apresentado pela Petrobras ainda não foi aprovado. Mesmo assim, desde 18 de dezembro, a empresa já moveu para a região a estrutura necessária para o teste, ao custo de R$ 290 milhões, segundo ofício da empresa ao Ibama a que a agência Reuters teve acesso.

Os técnicos do instituto dizem que o Ibama não determinou o deslocamento do equipamento para a região e a decisão foi exclusivamente da estatal.

À reportagem, a Petrobras afirmou que “é prática recorrente a montagem da estrutura para a simulação de emergência antes da autorização do teste”.

A estatal ressalta que vem cumprindo todos os requisitos e procedimentos estabelecidos pelos órgãos reguladores, licenciadores e fiscalizadores para a concessão da autorização.

A petroleira defende ainda que a margem equatorial poderá abrir uma frente energética fundamental para o país e que novas fronteiras são essenciais para a garantia da segurança e soberania energética nacional.

No plano estratégico da empresa para o período de 2023 a 2027, estão previstos quase US$ 3 bilhões (cerca de R$ 17 bilhões) para a exploração da margem equatorial, onde ela já adquiriu outros blocos.

Na última sexta-feira (24), o Ministério de Minas e Energia anunciou planos para escalar a produção nacional. Em comunicado, Alexandre Silveira, que chefia a pasta, se refere à região como um possível “novo pré-sal”.

Apesar disso, a margem equatorial não passou por uma análise em escala regional, o que traria mais informações sobre o efeito cumulativo da exploração em diferentes pontos da costa.

“A chamada Avaliação Ambiental de Área Sedimentar olharia para a região como um todo, não para um bloco específico”, explica Jerez. “O Ibama não tem capacidade de, no licenciamento, analisar os outros oito blocos que já foram concedidos para exploração –sendo que cinco deles também são da Petrobras.”

Ela afirma que 47 blocos na região estão à venda pela ANP, além de 157 blocos que poderiam entrar para concessão no futuro.

“A leitura que se faz é de que uma vez que saia uma licença para o bloco 59, as empresas vão se interessar mais pela região”, aponta Jerez. “Pode ser que tenha um efeito em cascata.”

O presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, afirma que a inexistência de uma avaliação ambiental estratégica cria uma série de incertezas para o licenciamento.

“A viabilidade ambiental de se explorar petróleo nessa região deveria ter sido feita antes da realização dos leilões pela ANP e não ter que agora, no âmbito do licenciamento, resolver [essa questão]. Mas, independente disso, o Ibama está debruçado e vai analisar todos os estudos antes de tomar qualquer decisão [para o bloco 59]”, ressalta.

“O Ibama vai fazer a análise técnica independente de qualquer tipo de pressão”, diz também.

O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.

 

FONTE: CORREIO DO ESTADO