Hoje faz um ano que os apoiadores do ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL) invadiram e depredaram os prédios do Supremo Tribunal Federal (STF), do Congresso Nacional e do Palácio do Planalto, localizados na Praça dos Três Poderes, em Brasília (DF), para protestar contra a vitória do petista Luiz Inácio Lula da Silva no segundo turno da eleição para a Presidência do Brasil, realizada em 2022.

Entre os mais de dois mil presos acusados de participação naquele triste episódio para a democracia brasileira, uma pequena parcela dos envolvidos era de Mato Grosso do Sul, ou seja, pelo menos 32 pessoas estavam presentes ativamente dos atos na Praça dos Três, enquanto várias outras tiveram participações “remotas”, isto é, forneceram a logística necessária para o deslocamento do Estado até o Distrito Federal e também para a subsistência dos “manifestantes” na capital federal.

PEIXES GRANDES

Segundo apuração feita pelo Correio do Estado, dos envolvidos sul-mato-grossenses, apenas os desconhecidos sofreram algum tipo de punição, sendo presos e, posteriormente, utilizando tornozeleiras eletrônicas, enquanto os mais conhecidos, como o ex-prefeito de Costa Rica Waldeli dos Santos (MDB), a médica campo-grandense Sirlei Faustino Ratier e a influencer bolsonarista Juliana Gaioso Pontes, não sofreram nada mais sério.

No dia 15 de dezembro de 2022, os três foram apenas alvos da operação da Polícia Federal (PF) em Mato Grosso do Sul contra apoiadores radicais do ex-presidente Jair Bolsonaro suspeitos de organizar atos antidemocráticos. A ação foi autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, e cumpriu mais de 100 mandados em todo o Brasil, entre busca e apreensão e prisão, sendo 17 no Estado.

A médica Sirlei Faustino Ratier, que foi candidata a deputada federal em 2022 e apresenta-se como fundadora e coordenadora do QG Voluntários do Bolsonaro e “bolsonarista raiz”, teve contra ela um mandado de busca e apreensão cumprido em sua residência, onde foram apreendidos seu passaporte e celular.

Em novembro de 2022, o serviço de inteligência da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) enviou ao STF documentos que a apontavam como principal peça de mobilização dos manifestantes no Estado. Passado o susto, atualmente Sirlei Ratier continua clinicando normalmente em Campo Grande e o inquérito policial está em andamento.

Já a influenciadora Juliana Gaioso Pontes, que também foi apontada pela Sejusp como financiadora e organizadora dos atos antidemocráticos em frente a quartéis do Exército no Estado e fazia postagens antidemocráticas nas suas redes sociais em que questionava o resultado das eleições e a atuação do Tribunal Superior Eleitora (TSE), recebeu os agentes da PF na sua residência para o cumprimento de mandado de busca e apreensão.

Também como a médica campo-grandense, Juliana Gaioso nada sofreu e seu inquérito na PF continua em andamento, porém, apesar disso, foi nomeada para o cargo de assessora executiva I, nível DCA-2, no gabinete da prefeita de Campo Grande, Adriane Lopes (PP), posição que anteriormente foi ocupada pelo ex-vereador Marcos Alex Azevedo Melo, conhecido por muitas décadas como Alex do PT, com salário de R$ 15.148,00, conforme o Portal da Transparência.

O outro alvo da operação da PF, o ex-prefeito de Costa Rica Waldeli dos Santos, que já estava sendo investigado pelo Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS) pelo envolvimento com atos antidemocráticos no município que administrou, recebeu os agentes federais na sua casa e também foi intimado para prestar esclarecimentos. A exemplo das outras duas acusadas, ele também está com seu inquérito em andamento, porém, já anunciou publicamente que vai disputar novamente a eleição para prefeito de Costa Rica neste ano.

A PUNIDA

A única “famosa”, mas nem tanto assim, a sofrer alguma punição foi a professora Soraia de Mendonça Bacciotti, de 48 anos, que acabou presa no dia 20 de janeiro do ano passado pela PF durante o cumprimento de mandados contra oito acusados de participar e financiar os atos de vandalismo no dia 8 de janeiro, em Brasília.

Ela ficou conhecida por ter atuado como intérprete de Libras da campanha para governador feita pelo então deputado estadual Capitão Contar (PRTB), quando ganhou o apelido de Ruiva do Contar.

Após passar alguns meses atrás das grades na sede da PF na Capital, ela acabou sendo solta e hoje responde ao inquérito em liberdade, assim como Ramiro Alves da Rocha Cruz Júnior, o Ramiro dos Caminhoneiros, Randolfo Antônio Dias e Renan Silva Sena, que também chegaram a ser presos, mas também já estão em liberdade.

OS DESCONHECIDOS

No caso dos desconhecidos de Mato Grosso do Sul envolvidos no fatídico episódio, conforme apuração da reportagem, a maioria foi colocada em liberdade com uso de tornozeleira eletrônica, a exemplo dos mais de dois mil presos acusados de participação.

Porém, mesmo tendo retornado ao convívio de suas famílias, seguem com restrições de uso de redes sociais e de deslocamento, além da suspensão de passaportes e da obrigação de se apresentar semanalmente à Justiça. Atualmente, apenas 66 pessoas de todo o Brasil continuam encarceradas, e outras 2 foram transferidas para hospitais psiquiátricos, porém, nenhuma delas é de Mato Grosso do Sul.

No dia 14 de setembro do ano passado, o STF condenou o primeiro réu pelos atos de 8 de janeiro a 17 anos de prisão em regime fechado. Trata-se de Aécio Lúcio Costa Pereira, que é morador de Diadema (SP) e foi preso pela Polícia Legislativa no plenário do Congresso Nacional, de onde chegou a publicar um vídeo nas redes sociais durante a invasão da Casa de Leis.

Entretanto, na lista de pessoas a serem julgadas por atos antidemocráticos, estão os sul-mato-grossenses Altino Pereira Bispo, Antônio Plantes da Silveira, Cassius Alex Schons de Oliveira, Diego Eduardo de Assis Medina, Djalma Salvino dos Reis, Elaine Ferreira Gonçalves, Eliel Alves, Eric Prates Kobayashi, Fabio Jatchuk Bullmann e Fabrício de Moura Gomes.

Também fazem parte da lista Franceli Soares da Mota, Ilson Cesar Almeida de Oliveira, Ivair Tiago de Almeida, Jeferson Franca da Costa Figueiredo, Joci Conegones Pereira, José Paulo Alfonso Barros, Leandro do Nascimento Cavalcante, Madalena Severa dos Santos, Maria Aparecida Barbosa Feitosa, Mário José Ott, Ricardo Moura Chicrala, Rodrigo Ferro Pakuszewski, Silvia Adriana Nogueira dos Santos, Valeria Arruda Gil e Zilda Aparecida Correia de Paula.

As cinco pessoas do Estado que primeiro viraram réus por determinação do STF foram Alcebíades Ferreira da Silva, Alexandre Henrique Kessler, Ilson César Almeida de Oliveira, Ivair Tiago de Almeida e João Batista Benevides da Rocha. Os acusados fazem parte do Inquérito 4.921, que, segundo o STF, investiga os autores intelectuais e pessoas que instigaram os atos. A acusação é de incitação ao crime (artigo 286, parágrafo único) e associação criminosa (artigo 288), ambos do Código Penal.

Os réus vão responder por crimes de associação criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça com emprego de substância inflamável contra o patrimônio da União e com considerável prejuízo para a vítima, e deterioração de patrimônio tombado. Já são 10 moradores ou nascidos em Mato Grosso do Sul na lista de julgados: Diego Eduardo de Assis Medina, Djalma Salvino dos Reis, Eric Prates Kobayashi, Fábio Jatchuk Bullmann e Fabrício de Moura Gomes.

Djalma Salvino dos Reis foi enquadrado no Inquérito 4.921, sendo acusado de incitação ao crime, enquanto os outros quatro envolvidos – Diego Eduardo de Assis Medina, Eric Prates Kobayashi, Fábio Jatchuk Bullmann e Fabrício de Moura Gomes – serão julgados como executores dos crimes, no Inquérito 4.922.

OS CONDENADOS

Até o momento, a Justiça condenou 30 pessoas pelas invasões às sedes dos Três Poderes, mas nenhuma é de Mato Grosso do Sul. As penas para cada um dos condenados pelo 8 de janeiro diferem, indo de 3 anos a 17 anos de prisão. Dos 30 condenados, somente 2 tiveram pena inferior a 10 anos de prisão – Felipe Feres Nassau e Orlando Ribeiro Júnior, que foram condenados a 3 anos de prisão cada um, penas que poderão ser cumpridas em regime aberto, ou seja, eles não ficarão presos.

O relator dos casos, ministro Alexandre de Moraes, considerou que a Procuradoria-Geral da República (PGR) não apresentou provas suficientes de que Nassau e Ribeiro Júnior tivessem tentado dar um golpe de Estado. Suas condenações foram por dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.

Segundo o ministro, as provas indicavam claramente que ambos fizeram parte do grupo que caminhou até a Praça dos Três Poderes pedindo um golpe. Ainda assim, Moraes indicou que a PGR apresentou provas suficientes para considerar Nassau e Ribeiro Júnior culpados pela invasão e depredação das sedes dos Poderes.

A maior parte dos condenados teve uma pena de 16 anos e 6 meses de prisão. A tese apresentada pela PGR, que tem sido considerada na maior parte dos casos de acordo com as provas pelos ministros do STF, é que a tentativa de golpe foi um crime de autoria coletiva. Isso significa que, para os procuradores, todos os acusados agiram em conjunto em busca de um mesmo resultado: o golpe de Estado.

As diferenças de penas ocorrem porque o julgamento está sendo realizado pelo plenário do STF. O relator, Alexandre de Moraes, apresenta o caso e seu voto, indicando quais crimes listados na denúncia do Ministério Público Federal ele considera que há provas suficientes para condenar.

Em seguida, cada ministro faz seu voto e indica se concorda ou não com Moraes sobre se há provas para cada um dos crimes listados pela PGR. O réu é condenado pelos crimes que ganham o voto da maioria dos ministros.

AS PENAS

As penas, no entanto, são indicadas pelos ministros de acordo com os crimes que consideraram que ficou comprovado que o réu cometeu. Assim, o tamanho da pena, a dosimetria, é definida por maioria entre os ministros. Já houve casos em que não houve maioria e os ministros adotaram o que chamaram de “voto médio”, diminuindo as penas de maior discordância em seis meses.

Até o momento, dos 28 condenados que ficariam presos em regime fechado (pena maior de oito anos cumprida em presídio de segurança máxima ou médio), somente oito estão presos. Isso acontece porque a Justiça determinou liberdade provisória, ou seja, os acusados responderam ao processo em liberdade.

Com a condenação superior a oito anos, eles devem retornar para presídios. No entanto, o retorno não é imediato. Dos 30 condenados pelo 8 de Janeiro, somente um teve o seu caso transitado em julgado, ou seja, esgotaram-se os recursos.

Fonte: Correio do Estado