Na quarta e última matéria da série de reportagens do Correio do Estado abordando as principais incógnitas para o pleito municipal deste ano, o tema tratado é como a inteligência artificial (IA) deve acelerar a propagação de informações falsas, as famosas fake news, na primeira eleição brasileira após a recente popularização dessa tecnologia de ponta.

O diretor e coordenador do Instituto de Pesquisa Resultado (IPR), Aruaque Fressato Barbosa, alertou que a IA poderá gerar textos, áudios e imagens, ajudando a reduzir custos e automatizando peças de propaganda. Ao mesmo tempo, a tecnologia tornará mais complexas as campanhas de desinformação, por ter a capacidade de produzir conteúdos que são mais difíceis de se detectar como falsos ou editados.

Entre as peças que podem ser automatizadas para as campanhas estão vídeos e imagens para plataformas como Instagram, TikTok ou WhatsApp, que também podem ser customizados para diferentes nichos de eleitores. Quanto à disseminação de desinformação, uma das principais preocupações é com os chamados deepfakes, ou seja, vídeos que, em geral, combinam falas a imagens já existentes.

“Na minha grande opinião, com a ajuda de uma IA será possível acelerar ainda mais a divulgação de informações falsas, as fake news. Então, tem de ficar atento a isso e começar a destruir as falsas narrativas que desde as eleições passadas persistem de uma forma muito forte no imaginário do senso comum, de que as urnas eletrônicas são fáceis de fraudar, de que todos os políticos são ladrões e de que as pesquisas de opinião pública não mostram nada porque deixaram de entrevistar A, B ou C”, pontuou.

COMBATE

Para ele, essas são questões que geram fake news e desinformação precisam ser combatidas de uma forma rápida porque devem ser propagadas de forma ainda mais acelerada com a chegada da inteligência artificial.
“Penso que essa vai ser a grande tarefa dos marqueteiros e dos profissionais que atuam nos grupos políticos porque, se no pleito de 2022 a velocidade da comunicação já foi absurda, imagina com a chegada da IA?”, questionou.

Aruaque Barbosa citou como exemplo a declaração do então presidente da República Jair Bolsonaro (PL) para que todos os seus simpatizantes votassem no deputado estadual Capitão Contar (PRTB) para governador de Mato Grosso do Sul.

“Ele disse isso durante um debate na TV transmitido no período noturno, às vésperas do primeiro turno, e, graças à viralização da sua fala nas redes sociais, os números das intenções de votos mudaram, tirando do segundo turno o ex-governador André Puccinelli [MDB]”, recordou.

MUDANÇA

O especialista argumentou que cada ação ou ato político pode fazer uma diferença porcentual diminuir ou aumentar, contribuindo para que o número de indecisos migre para um lado ou para o outro.

“Assim, a velocidade da comunicação, alinhada com as fake news, pode fazer com que, às vezes, não seja possível reverter o estrago nas urnas, forçando que os candidatos tenham uma equipe de comunicação muito bem alinhada, sob o risco de amargar uma derrota nas urnas”, analisou.

Outro ponto destacado por ele é a arte da manipulação e da mentira com a ajuda de uma IA. “Esse fato é um teste de fogo para as nações democráticas do mundo. Se a gente olhar bem, já usaram a tecnologia para propagar informações falsas no Brexit, que foi o processo de saída do Reino Unido da União Europeia, na eleição do Donald Trump para presidente dos Estados Unidos, no ceticismo em relação ao aquecimento global, nas campanhas contra a eficácia da vacinação no combate às doenças e, mais recentemente, nas campanhas contra a lisura das urnas eletrônicas”, detalhou.

DESAFIO

Para as eleições deste ano e as próximas, Aruaque Barbosa acredita que o desafio será identificar manipulações de imagens e de sons, que poderão causar um efeito gigantesco no resultado do pleito.
“Porque muitos não sabem diferenciar o falso do verdadeiro e replicam as fake news em uma velocidade absurda por meio das redes sociais. Então, os políticos desonestos serão capazes de construir falsas narrativas que poderão facilmente ser consideradas verdadeiras pelos eleitores mais desinformados”, assegurou.

O diretor do IPR acrescentou que a propagação de fake news deixou de ser considerada uma exceção para virar uma regra para os candidatos desonestos durante as eleições, e este será o grande ponto porque, na hora que se joga uma desinformação sobre assuntos sérios e complexos para uma população com menos acesso à informação, o reflexo será sentido das urnas.

“Essa questão da IA é uma novidade para todo mundo, mas, observando nas pesquisas de intenções de votos e no comportamento dos eleitores, vai influenciar muito. Por isso, é preciso criar mecanismos para se proteger dessas ferramentas tecnológicas tão avançadas a população comum, que não conseguirá distinguir o que é verdade do que está sendo manipulado”, disse.

Segundo Aruaque Barbosa, o uso cada vez maior de smartphones por parte das pessoas está fazendo com que a busca por notícias na TV, no rádio ou nos jornais impressos tenha uma grande redução e migre para os sites, cujos links de reportagens são compartilhados por meio do WhatsApp, em que há grupos com mais de 300 pessoas.

“Esse comportamento, em que tudo está muito exposto, contribui para que uma informação, verdadeira ou não, seja propagada para o maior número de pessoas possível de forma quase instantânea”, citou.
Por isso, ele acredita que essa velocidade de comunicação será um fator decisivo no resultado das eleições.

“Uma fake news jogada às vésperas de uma eleição pode influenciar no resultado final sim, ainda mais se não der tempo de combatê-la. Essa informação falsa sendo jogada em uma hora que não dê mais tempo hábil para ser desmentida, vira uma verdade. Isso compromete ainda mais o resultado de uma eleição apertada. Portanto, essa velocidade da comunicação aliada a informações falsas se torna algo muito perigoso”, finalizou o especialista.

SAIBA

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu regulamentar o uso de inteligência artificial (IA) nas eleições municipais deste ano e redigiu a minuta de uma resolução para estabelecer regras para o uso dessa ferramenta na propaganda eleitoral. A primeira versão da resolução prevê a obrigatoriedade, na campanha dos candidatos, de deixar explícita a utilização de conteúdo fabricado ou manipulado em qualquer que seja a propaganda eleitoral.

O texto proíbe a divulgação na propaganda eleitoral de conteúdo manipulado de fatos “sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados com potencial de causar danos ao equilíbrio do pleito ou à integridade do processo eleitoral, inclusive no impulsionamento”.

Fonte: Correio do Estado