Dois parlamentares sul-mato-grossenses aderiram a onda de ataques contra o padre Júlio Lancellotti, que atua em São Paulo (SP) em um trabalho pastoral com moradores de rua, muitos deles usuários de droga. O vereador de Campo Grande Tiago Vargas (PSD) e o deputado federal Rodolfo Nogueira (PL), o Gordinho do Bolsonaro, usaram suas redes sociais para atacar o sacerdote com acusações já arquivadas pela Arquidiocese de São Paulo.

O professor e analista político Tércio Albuquerque considera o caminho que os dois parlamentares de Mato Grosso do Sul estão trilhando como “muito perigoso”.

“Partir para o ataque de uma forma desmesurada, com uma finalidade claramente política e tentando envolver religião, é um caminho muito perigoso e demonstra total falta de compaixão, de respeito entre as pessoas”, afirma.

Conforme Albuquerque, os ataques contra o padre Júlio Lancellotti são motivados pela repercussão que o trabalho que ele realiza com a população de rua vem tendo. O cientista político ressalta que não é um trabalho fácil nem tampouco simples.

“Poucas são as pessoas que têm coragem de enfrentar esse tipo de trabalho. Eu conheço pessoalmente algumas que assim o fazem”, disse.

Ainda segundo Albuquerque, por tratar-se de um ano eleitoral, o ponto de partida foram algumas denúncias e alguns vídeos de 2020 que já tinham sido investigados, inclusive.

O analista político salienta a contradição exposta tanto por Vargas quanto por Nogueira, que exploram politicamente – também em busca de votos e apoio – o fato de serem evangélicos.

“Mas o que chama atenção nesse caso é que quando políticos de uma vertente cristã evangélica se dispõem a um ataque desmesurado contra Júlio Lancellotti, eles se colocam em uma posição bastante contrária ao que muitos provavelmente pregam”, afirma.

Para o cientista, “falta misericórdia dos parlamentares”, o que demonstra a inobservância deles quanto à Bíblia Sagrada. Albuquerque ainda frisa que, de fato, não há nenhuma condenação sequer contra o padre, apenas contra o trabalho que ele desempenha com os moradores de rua.

“Não cabe a nenhum de nós, muito menos na análise política, julgar por nossos próprios meios e atos tentando, com isso, nos promover politicamente. É isso que evidencia esses evangélicos que estão atacando, principalmente o padre Júlio Lancellotti. É um caminho totalmente equivocado, e queira Deus que use de misericórdia com essas pessoas. Mas elas deveriam estar praticando o que pregam e demonstram”, conclui o analista.

Os ataques

Na postagem desta segunda-feira, Nogueira chegou a chamar o padre Júlio Lancellotti de “asqueroso” e que a “cadeia lhe esperava”. Já Tiago Vargas, no domingo, disse que “só compra esse padre quem não o conhece” e que tem vergonha de dizer que foi seminarista por três de anos, por ter “acreditado no meio católico” onde cresceu. Atualmente, os dois são evangélicos.

Investigação arquivada

A Arquidiocese de São Paulo afirma que arquivou a investigação sobre o padre Júlio Lancellotti, alvo de denúncias de conteúdo sexual por parte da presidência da Câmara Municipal paulistana.

A apuração se baseava em um vídeo enviado nesta segunda-feira à arquidiocese pelo presidente da Casa, vereador Milton Leite (União Brasil-SP). O vídeo, sem autenticidade comprovada, retrata um homem se masturbando.

Em nota divulgada na tarde desta terça-feira, a liderança da Igreja Católica em São Paulo afirma que manteve a decisão tomada em 2020, quando o mesmo vídeo foi analisado.

Entenda

O religioso é alvo de acusações do vereador Rubinho Nunes (União Brasil-SP), autor do requerimento da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que pretende investigar ONGs que atuam no centro de São Paulo. Nunes e Arthur do Val, o Mamãe Falei, foram integrantes do Movimento Brasil Livre (MBL), criado em 2014 para defender o impeachment de Dilma Rousseff
e pautas liberais.

No início deste ano, sete vereadores que assinaram o documento para a instauração da CPI retiraram o apoio após Lancellotti, que lidera a Pastoral do Povo de Rua, ter aparecido como alvo principal da comissão. Os parlamentares se disseram enganados pelo autor da CPI, uma vez que o texto não mencionava o pároco.

Fonte: Correio do Estado