No comando da pasta com o maior volume de investimentos no novo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o ministro Renan Filho (Transportes) defende que o governo faça o máximo possível de obras, mas dentro dos limites fiscais propostos pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda).
À Folha ele prega a manutenção da meta de Haddad de zerar o déficit das contas públicas neste ano. E afirma que a responsabilidade de perseguir o objetivo não deve ser só da Fazenda, mas também de todos os outros ministérios, além de Legislativo e Judiciário.
“Haddad está certo em trabalhar para cumprir a meta. Em uma república democrática, com três Poderes, que devem trabalhar harmonicamente e independentemente, todos têm esse papel”, afirma.
Para ele, o PT foi injusto quando chamou a política fiscal de Haddad de “austericídio”.
Na entrevista, Renan Filho fala das medidas ligadas à pasta, como os planos para ferrovias de passageiros, mas também de outros temas ligados à política econômica.
Para ele, a queda de juros até 2025 pode ser maior do que a precificada pelo mercado. Ele também comenta o papel da Fazenda para ancorar expectativas fiscais e trazer crescimento do PIB (Produto Interno Bruto).
Rena Filho defende uma PEC (proposta de emenda à Constituição) para estabelecer uma divisão percentual dos gastos não obrigatórios entre o Executivo e o Congresso, que cada vez mais domina o Orçamento por meio das emendas parlamentares.
“Está virando uma disputa autofágica em que não haverá vitoriosos”, alerta.
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As emendas parlamentares, que são muito pulverizadas em projetos menores e não estruturantes, são um problema para os investimentos?
Não sou contra o Congresso destinar emendas. Ele tem papel relevante de garantir a chegada de recursos a alguns lugares que o Executivo, que usa mais uma visão de floresta, muitas vezes não consegue chegar. Só que o tamanho precisa ser regulado. É preciso um limite. O ideal é que o Parlamento soubesse quanto ele vai ter em proporção ao gasto discricionário e que Executivo e Legislativo trabalhassem juntos para ampliá-lo.
O que tem acontecido é o gasto não discricionário [obrigatório] crescendo anualmente e comprimindo os outros gastos. E, agora, adicionalmente, as emendas estão crescendo e comprimindo ainda mais o gasto do Executivo.
Será preciso uma nova legislação?
O ideal seria o Congresso, do total do gasto discricionário, indicar 30%, por exemplo, e o Executivo destinar 70%. Seria um avanço para evitar essa discussão anual de qual tamanho o Congresso deve indicar.
Não é justo da maneira atual porque retira previsibilidade orçamentária do país. Há quatro anos era algo em torno de R$ 15 bilhões e hoje chega a R$ 50 bilhões. Isso vai até onde? Vai transformar todo o gasto discricionário em emendas parlamentares? Não acho razoável.
Deveria ser por meio de uma PEC [a mudança]. É importante porque somaria esforço dos dois para reduzir o gasto obrigatório. Está virando uma disputa autofágica em que não haverá vitoriosos.
Mas existe um problema de curto prazo. O presidente Lula vetou R$ 5,6 bilhões em emendas de comissão. O presidente vetou e ele próprio disse que está querendo conversar com o Congresso. Esse impasse vai respingar na mudança da meta de zerar o déficit das contas públicas em 2024? O sr. defende a alteração?
Não defendo a mudança da meta. O Brasil deveria manter e perseguir. Não cumprir a meta, perseguindo a meta, tem uma relevância importante. Se a gente perseguir a meta, e o déficit não puder ser zero, mas se for decrescente em relação a 2023, será uma sinalização importante.
O não cumprimento da meta acionaria os gatilhos, que são medidas de correção previstas no arcabouço?
Tem de acionar gatilhos. Não tem saída para a sustentabilidade fiscal sem os gatilhos anticíclicos, que dizem que, se está gastando muito, para equilibrar o ciclo próximo, tem de gastar um pouco menos. Ou se está arrecadando muito, tem de poupar, para fazer frente aos gastos que foram muitos elevados em outros períodos no Brasil.
O ministro Haddad falou sobre esse mesmo ponto no programa Roda Vida. É um reposicionamento dele em relação ao cumprimento da meta?
A fala é muito relevante quando Haddad diz que a responsabilidade para o cumprimento do arcabouço fiscal está colocada nos três Poderes e em vários ministérios. Não só na Fazenda. Essa responsabilidade é também do Legislativo. Fica meio estranho se o Haddad quer perseguir a meta e o Congresso não quer.
O sr. acha que o Congresso não quer?
O Congresso quer. Ele foi extremamente responsável no ano passado. Sempre colocando que a negociação política tem a sua própria característica. Não é fácil.
No Congresso, existem segmentos detentores de incentivos. Mas o fato é que, no ano passado, aprovamos várias medidas que garantiram que o país organizasse melhor as suas contas. Vamos ter de fazer mais.
Como o sr. é de um ministério de investimentos, havia a percepção de que defendia a mudança da meta…
Não. Eu nunca defendi. A área de investimento do governo tem divergências. A minha posição pessoal é que, para o Brasil, o melhor é investir o máximo possível dentro do ambiente da sustentação fiscal proposto pelo ministro Haddad.
Não acredito que investir mais do que o país pode investir com sustentabilidade fiscal vá resolver o problema da economia.
A taxa de juros vai cair mais?
Vai cair mais. Não é tão importante cair rápido. O mais importante é quanto a taxa conseguirá cair.
O primeiro ano do governo foi o mais desafiador. Foi preciso ancorar as expectativas do mercado, que fazia beicinho para Haddad. Como se diz lá no Nordeste, “entronchava” a boca. Haddad ancorou as expectativas.
Agora, se a gente ganhar o segundo ano, aí contratamos crescimento no terceiro e no quarto ano. Vamos ter derrubado a taxa de juros de 14% para 9% em dois anos e, em dezembro, com a meta perseguida, inflação dentro do intervalo, garantir que, em 2025, caia mais 2 pontos, 2,5 pontos.
O crescimento de 2025 e 2026 será impulsionado pelo crescimento privado e pelo consumo das pessoas.
O mercado não faz mais beicinho para o Haddad, mas lideranças do PT chamam a política dele de austericídio fiscal…
Os dois injustos. O PT é injusto em chamar de austericídio. E o mercado também era injusto ao dizer que Haddad faria uma política econômica não sustentável.
Os dois no extremo e o Haddad no centro, fazendo na economia o que precisa, independentemente de dogmas. Por isso, o trabalho dele está sendo bem-sucedido.
Há uma expectativa grande da sociedade, quase um sonho, ter transporte de trem passageiros à disposição. Quais os planos?
Para aumentar o volume de investimentos em ferrovias, o governo conta com pelo menos R$ 20 bilhões de quatro concessões que foram renovadas: Rumo, MRS, e duas da Vale (Carajás e Vitória-Minas). A Rumo já fez um acordo e acertou pagar em quatro anos R$ 1,5 bilhão.
A ferrovia do trem-bala Rio-SP, de alta velocidade, vai sair?
Tem uma autorização para o trem-bala [a empresa TAV Brasil recebeu a autorização para construir e explorar].
É fácil fazer somente com os recursos privados? É muito difícil. Não é assim no mundo. O Brasil precisa ter um transporte rápido terrestre por trem Rio-São Paulo. É muito importante para o país.
Se essas duas cidades fossem na China, certamente já tinham feito trem-bala, porque eles têm dinheiro público. E aqui não tem, pela restrição fiscal. E não tem como ter.
Eu sou defensor do investimento para melhorar a infraestrutura, desde que ele esteja adequado às condições fiscais do país.
O trem-bala não é viável? Ele não será uma realidade tão cedo no Brasil?
Ele custa R$ 50 bilhões. O nosso orçamento para investimentos, que é o maior da Esplanada, é de R$ 16 bilhões.
O trem-bala é uma autorização. Eu não tenho responsabilidade de fazer, quem tem é o setor privado. Se ele for lá para o fundo árabe de investimento e quiser botar dinheiro, ele faz.
A experiência internacional mostra que a construção de trens de alta velocidade não se viabiliza apenas com investimentos privados.
O governo não está disposto a mudar essa autorização?
Não está disposto, porque custa R$ 50 bilhões e não tem conexão com a realidade fiscal do Brasil no momento. E, se colocassem, vocês seriam contra porque iria quebrar o erário pelo mesmo motivo que as pessoas criticaram o plano para o desenvolvimento industrial em alguns segmentos do mercado.
O que será, então, o plano ferroviário para o Brasil, que há muito tempo é previsto e nunca realizado?
São as seis linhas para transportes de pessoas. Acabamos de concluir a ferrovia Norte-Sul. O presidente Lula fez a maioria dela. Voltou para o governo e entregou 100% pronta. E todo mundo falava que não seria terminada.
Vou fazer uma inconfidência. O próprio presidente me disse que quando [o presidente José] Sarney começou, ele mesmo não acreditava que iria terminar. É uma ferrovia muito grande, de 2.000 km.
Desejamos fazer a ferrovia Leste-Oeste, saindo do sul da Bahia, para o coração do Brasil. Queremos dividir o Brasil [em ferrovias] num quadrante. Vamos ter um quadrante no Nordeste.
Raio-X
Renan Filho, de 44 anos é ministro dos Transportes. Formado em ciências econômicas pela UnB. Já foi prefeito de Murici (2005-2010), deputado federal (2011-2015), governador de Alagoas (2015-2022) e foi eleito senador em 2022.
Fonte: Correio do Estado