Prevista para simplificar o sistema tributário do País, a reforma tributária vem reestruturando o formato da cobrança de impostos sobre o consumo, impactando em efeito cascata todo o agronegócio, atingindo entre seus componentes os arrendamentos de soja, cana-de-açúcar e eucalipto em Mato Grosso do Sul.

Apesar de o trecho ainda não ter sido regulamentado, as linhas estabelecidas já apontam no artigo nº 235 que o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) incidem sobre a locação e o arrendamento de bem imóvel, salvo casos de pessoas físicas que não utilizem o arrendamento como atividade preponderante.

Atualmente, o setor agropecuário se beneficia de uma estrutura tributária diferenciada, com muitos impostos como o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), o Programa de Integração Social (PIS), a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) e o Imposto sobre Serviços (ISS), tendo alíquotas reduzidas ou até mesmo isentas. Além disso, há a possibilidade de recuperar ou compensar créditos tributários.

Hoje, a carga tributária média para o agronegócio é entre 3% e 4%. Contudo, com a nova estrutura proposta, essa alíquota pode subir para mais de 11%, quase triplicando o valor atual. E essa situação pode ser ainda mais severa.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, pediu um aumento adicional de 1,47% na alíquota, o que poderia elevar o porcentual total para 28%. Esse aumento colocaria o Brasil entre os países com as mais altas alíquotas de Imposto sobre Valor Agregado (IVA) do mundo.

Considerando o cenário previsto, os produtores rurais – que representam uma parcela significativa da economia do Estado – já estão se preparando para os impactos que as mudanças no sistema tributário podem trazer, especialmente em relação ao arrendamento de terras.

Mestre em Direito e consultor em Direito administrativo empresarial, Antônio Barbosa de Souza Neto explica que a Emenda Constitucional nº 132/2023 – principal texto da reforma tributária – ainda precisa ser regulamentada por meio de leis complementares.

“O Projeto de Lei Complementar [PLP] nº 68/2024, já tramitando no Senado, por exemplo, detalha as regras de unificação dos tributos sobre o consumo. Já o PLP nº 108/2024 institui um comitê gestor. No entanto, ainda não foi apresentado o projeto que regulamente a questão da tributação sobre a renda, o que será impactante sobre os arrendamentos”, enfatiza.

No entanto, Souza Neto destaca que o PLP nº 68/2024 já estabelece, em seu artigo nº 235, que o IBS e a CBS incidem sobre a locação e o arrendamento de bem imóvel, salvo de pessoa física que não usem o arrendamento como atividade preponderante.

Em outras palavras, ele pontua que esses tributos incidirão em caso de pessoa jurídica de qualquer atividade ou de pessoa física que tenha o arrendamento como atividade preponderante.

“Quanto às alíquotas, dados do governo demonstram que ficarão entre 26,5% e 27,5%, e o parágrafo único do artigo nº 257 do PLP nº 68/2024 estabelece que as alíquotas de IBS/CBS relativas às operações de arrendamento de bens imóveis ficam reduzidas em 60%, o que totalizaria, caso de fato IBS/CBS chegue em 27,5%,  o total de 16,5% sobre o arrendamento quando aplicável”, detalha Souza Neto.

O advogado ainda explica que, atualmente, o arrendador pessoa física não sofre nenhuma tributação sobre o consumo (ICMS, PIS, Cofins, ISS, etc.), pagando, no entanto, o imposto sobre a renda. “A pessoa jurídica arrendadora, além de pagar o imposto sobre a renda, real ou presumido, paga os demais impostos anteriormente citados. O ICMS, o PIS, a Cofins e o ISS serão substituídos por IBS/CBS, e ao que tudo indica a alíquota final aumentará”, afirma.

PARCERIA

O mestre em Direito complementa que as perspectivas são bastante diferentes entre arrendamento e parceria. “O caso citado acima vale para arrendamento, e não para parceria. No entanto, o parágrafo primeiro do artigo nº 235 do PLP nº 68/2024 estabelece que as regras do arrendamento se aplicarão à servidão, à cessão de uso ou espaço, à permissão de uso, ao direito de passagem e aos demais casos em que se permita a utilização de espaço físico”, ressalta.

Destacando as parcerias como é o caso de usufrutos, outra modalidade de cessão do uso da terra, os impactos poderão ser diferentes – ainda que a legislação traga certa forma de equiparação.

“Novamente, a tributação sobre a renda ainda não foi regulada. No entanto, o artigo nº 117, item IX, determina que ficam reduzidas também em 60% as alíquotas de IBS/CBS incidentes sobre as operações de bens e serviços relacionadas a produtos agropecuários, florestais e extrativistas vegetais in natura, bem como aos insumos agropecuários. Estaríamos falando também de 16,5% de alíquota final, além da tributação sobre a renda”, reforça o advogado.

Portanto, Souza Neto evidencia que em ambos os casos a reforma tributária deve impactar de forma prejudicial ao parceiro que cede a terra, seja por parceria, seja por arrendamento, o que ainda não é certo, visto a inexistência de regulamentação consolidada. “A indicação é de que o produtor rural procure um advogado especialista e se mantenha atualizado com relação às alterações legislativas”, aconselha.

REFORMA TRIBUTÁRIA

O projeto que tem como objetivo modificar a tributação do País ganhou corpo nos últimos anos. Em novembro de 2023, o texto-base foi aprovado, ganhando novos contornos após passar por relatoria no Senado. Na sequência, a promulgação foi realizada em dezembro, com o primeiro PLP que regulamenta os tributos sobre o consumo no País sendo enviado pelo governo ao Congresso Nacional.

Posteriormente, foi criado o Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (CG-IBS), comissão responsável por supervisionar a coleta e a distribuição do novo tributo em níveis estadual e municipal.

Segundo Bernard Appy, secretário extraordinário da Reforma Tributária, o projeto propõe uma alíquota média para o Imposto sobre Valor Adicionado (IVA) de 26,5%, com variações entre 25,7%
e 27,3%.

Atualmente, a legislação impõe uma carga média de 34% em tributos federais, estaduais e municipais sobre bens e serviços no Brasil. Entre as principais alterações sugeridas estão a desoneração de produtos da cesta básica, alíquotas reduzidas para profissionais liberais em 18 áreas, cashback para pessoas de baixa renda e redução da alíquota de serviços na área da educação.

Outra mudança importante é a introdução do Imposto Seletivo (IS), que será aplicado sobre a produção, a extração, a comercialização ou a importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente.

Mestre em Economia, Lucas Mikael destaca que o processo é uma etapa crucial, uam vez que a complexidade do sistema tributário brasileiro contribui para uma das cargas tributárias mais altas do mundo.

“Simplificar esse sistema é essencial para melhorar a eficiência dos gastos públicos e aumentar a produtividade econômica. A reforma tributária tem como objetivo principal corrigir as distorções  e melhorar a competitividade do setor produtivo do País”, explica.

A reformulação do sistema de tributos busca ainda por resolver problemas ao adotar a não cumulatividade plena (em que a alíquota incide apenas sobre o valor adicionado em cada etapa da produção) e a tributação no destino, ou seja, no estado e no município onde o bem ou o serviço é consumido.

Outro ponto importante é que os impostos passarão a ser cobrados no destino final, e não mais em sua origem.

Saiba

Indefinição da alíquota é ponto frágil ao agro

Em linhas gerais, o produtor rural médio paga 8,5% de impostos atualmente.

Por isso, o setor está preocupado que esse índice fique muito acima dos 16%, considerado um limite ideal para não provocar prejuízos.

 

FONTE: CORREIO DO ESTADO