Crimes de discriminação racial cresceram 30% em Mato Grosso do Sul nos primeiros sete meses deste ano, em comparação ao mesmo período de 2021. O caso mais recente é o do professor mestre em Bioquímica e doutor em Ciências da Saúde Sikiru Olaitan Balogun, de 48 anos.
Ele e o filho, de 6 anos, foram agredidos verbal e fisicamente por um casal de idosos em um mercado do município de Dourados, na quarta-feira (3).
A ocorrência entrou para as estatísticas do Estado como mais um caso de injúria qualificada por elementos de discriminação.
Conforme o índice de casos registrados pela Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), o número de casos classificados como injúria racial, que está amparado pelo artigo 140, inciso 3º, do Código Penal Brasileiro, saltou de 169 nos sete primeiros meses de 2021 para 221 em igual período deste ano.
O caso de Balogun, registrado por clientes nas dependências de um atacadista, ilustra a realidade vivida por inúmeras minorias no País.
O docente leciona há dois anos a disciplina de Farmacologia na Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), local onde reside como professor visitante.
Balogun é nigeriano e está no Brasil há 12 anos, com a esposa e o filho, de 6 anos. Antes de residir no interior de Mato Grosso do Sul, o professor estava em Cuiabá (MT).
O CASO
O episódio vivenciado por Sikiru ocorreu em função de uma inocente troca de carrinhos em um supermercado atacadista na Avenida Marcelino Pires, Bairro Vila Industrial, em Dourados.
Na ocasião, o professor confundiu o seu carrinho com o de outra cliente. Ele relatou ao Correio do Estado que tudo aconteceu muito rápido.
“Quando eu e minha esposa estávamos finalizando as compras, eu levei um dos carrinhos para ficar na fila junto com meu filho e fui buscar o carrinho dela. Ela me disse que tinha deixado parado próximo às mangas, no setor de frutas. Peguei, mas quando percebi que algumas estavam sem pesar, fui lá. Deixei meu filho no caixa com um dos carinhos e, quando voltei, ele estava chorando e uma moça tinha me falado que uma mulher bateu na mão dele”, revelou.
O casal achou o carrinho certo e questionou um senhor que estava próximo.
“Perguntei se era dele, e ele disse: ‘Por que está me perguntando?’. Eu disse: ‘Estou perguntando porque peguei esse carrinho sem querer, por engano, e fui informado que alguém foi pegar o carinho de volta e deu um tapa no meu filho. Ele disse: ‘É porque a gente estava procurando a loja inteira até achar’. Perguntei porque a esposa dele teve que bater no meu filho. Então, ele disse: ‘Vamos deixar para lá’”, contou.
Revoltados com a atitude dos senhores, o casal localizou a agressora do filho. “Quando achamos a senhora, ela disse: ‘Sai, sai, sai’. Ela estava pegando algo na geladeira e não quis responder. A minha esposa perguntou para ela o porquê de bater no meu filho. Aí eles falaram: ‘Ele roubou o carrinho’. Falamos que pegamos para pagar, mas era o errado”, acrescentou Balogun.
Foi nesse momento em que o senhor desferiu um soco no ombro do professor e a polícia foi acionada.
“Infelizmente, o sistema não é favorável para denunciar. Posso dizer que sofri porque demorou muito e eu estava com enxaqueca porque não me alimentava há um tempo. O policial não queria me deixar sair para comer porque precisava falar com o delegado”, relatou a vítima.
Segundo o docente, a permanência na Delegacia de Pronto Atendimento Comunitário (Depac) foi exaustiva e em vão, visto que, naquele momento, os policias não tinham registros que comprovassem que a senhora bateu no garoto.
“Fui muito maltratado. Perguntei se tinha como pegar a câmera e falei: ‘Vocês estão me punindo por ter chamado a polícia’. Aí falaram que, infelizmente, [eu] tinha que aguardar. Registramos boletim porque a mulher foi liberada”, disse.
Em resposta ao Correio do Estado, sobre as imagens das câmeras de segurança dentro do estabelecimento, a rede atacadista respondeu apenas que não corrobora com nenhum tipo de ato discriminatório ou violência e, assim que tomou conhecimento do ocorrido, acionou as autoridades e prestou apoio à vítima.
Sikiru Olaitan Balogun ressaltou que nunca sofreu atos de injúria explícitos, já velados, foram inúmeros.
“Você entra no supermercado e a segurança fica atrás de você, vigiando; no ônibus, as pessoas olham pensando: ‘Quem é esse cara?’. Até que chega alguém e fala ‘professor’ e a expressão muda”, relatou.
Balogun finalizou dizendo que o episódio é uma memória que ele gostaria de não ter. “Agradeço a Deus por me dar paciência para não responder da mesma forma. É uma memória ruim. Nós sentimos na pele imenso. Não quero que ninguém passe por isso. Agora, imagina a pessoa que passa por isso diariamente”, concluiu.
ANOS ANTERIORES
De acordo com os dados disponibilizados pela Sejusp, o número de ocorrências classificadas como injúria qualificada por elementos de discriminação permaneceu na casa dos 300 registros durante os três anos analisados.
No levantamento, o ano de 2019 aparece em primeiro lugar no ranking de registros, com 366 casos catalogados. Em 2020, o número baixou suavemente, para 305, e voltou subir no ano seguinte, para 325 casos.
FONTE: CORREIO DO ESTADO