Na última terça-feira (31), Rafaela Flôr, jornalista de 24 anos, publicou um relato em suas redes sociais para alertar sobre uma tentativa de golpe sofrida pela mãe. O que chama a atenção, neste caso, é que o golpe foi aplicado por uma empresa com CNPJ ativo, que se declara de natureza não-financeira, terceirizada de bancos para realizar cobranças.

O golpe teve início com mensagens de texto, que informavam nome completo, dígitos do CPF e falavam a respeito de uma pendência financeira.

“Eles passaram alguns dias mandando mensagens para o telefone da minha mãe, informando o nome completo dela e os últimos dígitos do CPF, avisando que ocorreria uma penhora, que ela precisava pagar R$9.700,00 oriundos de um tabelião, e que precisava ligar no 0800 para fazer a negociação”.

Rafaela conta que sua mãe, preocupada com a situação, pediu para que ela ligasse no telefone informado, a fim de entender do que se tratava a cobrança.

“Eles informaram que eles eram uma empresa de cobrança de dívida, terceirizada do Banco Bradesco, que a dívida era de alguns cheques sem fundo, juros e multas da conta dela”, comentou.

A jornalista ainda foi confirmar se a conta da mãe estava ativa, já que nesses casos os bancos costumam suspender a atividade. Ela chegou a questionar o golpista, já que a conta estava funcionando normalmente, e ele insistiu na dívida.

Prosseguiram então para a negociação, em que a dívida foi reduzida em mais de 90%, passando de R$9.700,00 para aproximadamente R$916,00.

“Eles também tinham informado um ano, 2015, que batia com uma informação que a gente tinha da nossa família. Aí eu telefonei para o meu pai, avisei, e meu pai falou ‘olha, vou mandar o dinheiro, mas verifica antes para ver se isso aí não é algum tipo de golpe’”.

Após conversar com o pai, Rafaela decidiu pesquisar sobre a empresa, cadastrada como ACCOB.

“Fui pesquisar na internet, tinham mais de 1.200 reclamações no Reclame Aqui dessa empresa, falando que era tudo golpe, que eles faziam cobranças indevidas, que as dívidas não existiam. Tinha até um relato de uma pessoa com a mesma história que eu, recebendo SMS cobrando, e que a pessoa até pagou, mas depois foi na agência conferir a dívida e percebeu que era um golpe”, relatou.

Quando se deu conta das denúncias, a ACCOB já tinha enviado o boleto para que o pagamento fosse realizado.

“Eu decidi que eu não pagaria, mas que iria lá na agência para confirmar se realmente não existia essa dívida, né? Porque a gente nunca sabe o que pode ter acontecido. Fui lá, falei com o gerente e ele disse que a dívida nunca tinha existido, nem no CPF da minha mãe, nem na conta dela, e que nesses casos, o próprio banco faz a cobrança. Eles não redirecionam para nenhuma terceirizada, principalmente cheque sem fundo, juros e multas, que eles fazem o débito diretamente da conta do correntista”, explicou.

Ainda com o gerente, ela ligou novamente para o 0800 da empresa e pediu para falar com o funcionário que havia feito a negociação.

“Eu falei ‘olha, eu não vou pagar esse boleto porque ele é uma cobrança indevida, ele não deveria ter existido’ e aí ele (o golpista) questionou ‘como assim cobrança indevida? Por que você está falando isso?’, aí eu falei ‘porque eu vim até o banco checar essa dívida, e nunca existiu. Estou aqui na frente do gerente’”.

A jornalista ainda contou que o golpista chegou a fazer ameaças, dizendo “temos uma gravação de telefone da sua mãe admitindo que essa dívida existia”.

Ainda na conversa, o golpista pediu para falar com o gerente do banco, mas enquanto Rafaela passava o telefone, o homem desligou.

Em casos de golpe, é importante avisar amigos, familiares e conhecidos, para instruir outras pessoas a não caírem.

“Eu decidi compartilhar porque tem sempre uma avó, uma tia, uma amiga da mãe, do pai, que fica com medo desse tipo de dívida, de restrição no nome, quer quitar, evitar problemas financeiros”.

Rafaela acredita que o fato do golpista fornecer dados e citar datas distantes acaba coagindo as pessoas a acreditarem que a dívida é real.

“As pessoas realmente se preocupam e acabam caindo, porque eles informam dados, jogam (a dívida) para anos atrás, que a pessoa nem lembra direito o que aconteceu, acha que pode ser possível e acredita. E foi um alerta mesmo, porque muita gente cai nesse golpe e perde dinheiro. A gente quase perdeu R$916,00, que não é pouca coisa. Pelas reclamações do Reclame Aqui, tinha gente que perdeu quase R$2 mil. Enfim, é mais para alertar mesmo, porque parece que cada semana inventam um tipo de golpe novo”, reforçou.

O choque também aconteceu pelo fato da empresa ser formal, com CNPJ, site ativo e até ouvidoria.

“O que é muito engraçado é que o CNPJ deles tá ativo, está registrado como uma empresa que realmente faz essa cobrança em nome de outros bancos, só que a atividade deles é totalmente voltada para o estelionato”, concluiu.

Desconfie

Em entrevista ao Correio do Estado, Raphael Chaia, advogado e professor especialista em Direito Eletrônico, explica que, geralmente, esse tipo de golpe mira aposentados e pensionistas, que são as pessoas mais velhas e menos versadas no digital, ou seja, pessoas mais propensas a cair nesses tipos de golpe.

Chaia também reforça que, mesmo com a presença de dados, há possibilidade de golpe.

“O fato de ter seus dados não significa nada, seus dados já vazaram todos naquele mega vazamento no início de 2021, então, os dados de todo mundo estão na internet, não é questão de saber se você vai sofrer um golpe, mas quando vai sofrer um golpe”, reforçou.

Para identificar golpes, o advogado recomenda que as pessoas tomem cuidado com a comunicação. Geralmente, golpistas utilizam números de telefone comuns, e e-mails aleatorizados ou gratuitos, como o Gmail e o Hotmail.

“Geralmente quando o banco entra em contato, ele não entra em contato por e-mail, nem por mensagem, ele entra em contato por carta ou ligação. Já é o primeiro ponto”, completou.

Além de verificar quem está comunicando, Chaia recomenda sempre procurar o banco.

“Segundo ponto: se eles alegam que está tendo alguma dívida envolvendo o banco, entrar em contato com o banco para confirmar a existência dessa dívida ou não. Pecar pelo excesso de zelo”.

Outra instrução é não efetuar pagamentos sem ter a certeza do destinatário.

“O terceiro ponto é nunca efetuar nenhum pagamento, especialmente se eles enviarem em algum código de barras, algum código pix, boleto, entre outros. Desconfiar é a palavra chave”, concluiu.

Caso caia no golpe, o advogado recomenda que a vítima faça Boletim de Ocorrência na Polícia Civil o mais rápido possível

“O Boletim tem que ser feito imediatamente para tentar tomar algum tipo de providência para recuperar o dinheiro. Caiu nisso, é procurar as autoridades imediatamente, vai numa delegacia da Polícia Civil, pode ser qualquer unidade e registra o boletim de ocorrência por crime de estelionato digital, Art. 171, § 2 A do Código Penal, que tem pena de quatro a oito anos e ainda tem uma causa de aumento, quando a vítima é maior de sessenta e cinco anos”, concluiu.

 

FONTE: CORREIO DO ESTADO