Após 11 anos do crime, os acusados pela morte de Marielly Barbosa Rodrigues, 19 anos, ocorrida durante um aborto clandestino, saíram do Fórum de Sidrolândia condenados, mas não presos, pelo menos não por este crime.

O cunhado da vítima, Hugleice de Souza, 38 anos, e o enfermeiro Jodimar Ximenes Gomes, 51 anos, foram julgados ontem em júri popular e condenados, entretanto, como a pena de ambos foi menor que oito anos, eles têm o direito de recorrer da decisão em liberdade.

Hugleice de Souza foi condenado a um ano pela ocultação de cadáver e mais três pela morte da jovem durante o aborto. Com isso, a pena total foi de quatro anos.

Já Jodimar Ximenes Gomes pegou a pena também de um ano pela ocultação de cadáver e mais quatro anos e três meses pela morte da jovem durante o aborto que ele teria realizado. O que totalizou em cinco anos e três meses de prisão.

“O julgamento ocorreu de forma tranquila, não tivemos nenhum incidente durante o julgamento. A decisão foi, apesar de haver alguns votos dissidentes, não houve conflito dentro o julgamento dos jurados, então me parece que o desejo dos jurados foi atendido e o pedido foi pela condenação dos acusados pelos dois crimes”, declarou o juiz Cláudio Muller Pareja após o julgamento.

Sobre a demora para que os réus fossem postos a júri, Pareja afirmou que vários problemas levaram com que o processo se arrastasse.

“Nós temos um sistema que é complexo, ele é feito para não ser tão rápido assim e também temos alguns problemas locais. Sidrolândia é a cidade que mais cresce no Estado nos últimos 10 anos, então saiu de pouco mais de 20 mil habitantes para 60 mil habitantes, e a estrutura, tanto da polícia quanto do poder judiciário, não acompanhou esse crescimento. Além disso, tivemos uma situação de que uma das varas ficou sem juiz durante, aproximadamente, então este ano em específico a cada audiência era um juiz diferente que estava designado temporariamente para responder por este tipo de processo, então isso fez com que o processo demorasse um tempo superior ao que a gente acha razoável”, afirmou o juiz.

JULGAMENTO

O julgamento, comandado pelo juiz Cláudio Muller Pareja, começou às 9h e terminou às 20h de ontem.

Segundo investigação da polícia e apontado pelo Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS), Hugleice teve um romance com Marielly, que era irmã da mulher dele, a engravidou, depois optou pelo aborto, procedimento pelo qual pagou R$ 500 a Jodimar.

Mesmo tendo confessado o crime – o cunhado teria ocultado o corpo –, ele manteve o casamento com a irmã da vítima.

Durante o julgamento, um dos principais depoimentos foi o da investigadora da Polícia Civil Maria Campos, a primeira a depor.

Conforme a investigadora, que participou dos trabalhos na época do crime, cascas de bala encontradas no local onde o corpo da jovem foi desovado foi primordial para descobrir a autoria do crime.

Segundo ela, Hugleice estava sempre chupando Halls, inclusive costumava oferecer para a investigadora, e a casca da mesma bala estava no local onde o corpo foi encontrado, o que levantou suspeita que o acusado poderia estar envolvido.

Além disso, segundo o depoimento da investigadora, outras atitudes de Hugleice também eram suspeitas, como nervosismo excessivo e contradições.

Conforme a investigadora, a mãe e a irmã de Marielly, além de Hugleice, que era casado com a irmã da vítima, foram as pessoas que foram até a delegacia registrar boletim de ocorrência pelo desaparecimento da jovem, em 2011.

Na delegacia, o telefone da investigadora foi repassado para Hugleice, para que eles entrassem em contato, já que ela é responsável por investigações de pessoas desaparecidas.

No entanto, ninguém ligou, mas Hugleice afirmou que ligou várias vezes e ela não atendeu.

Conforme Maria Campos, esse foi o primeiro indício de que ele poderia estar envolvido, pois sustentava a mentira.

Ainda conforme o depoimento da investigadora, durante os trabalhos investigativos, Hugleice estava sempre “colado” nela. “Tudo que eu ia fazer ele estava junto”, disse a policial.

A mãe e a irmã da vítima, diferentemente, tentavam todos os meios para descobrir onde Marielly poderia estar.

Além disso, Hugleice elogiava o trabalho de Maria e constantemente oferecia Halls para ela, sempre da embalagem preta.

Maria Campos afirma que ficou desconfiada do motivo de o acusado estar sempre tentando agradar e ganhar a confiança dela e passou a ficar atenta.

Em perícia no telefone, foi descoberto que Hugleice ligava mais de 30 vezes por dia para Marielly, chegando a ter 45 ligações em um único dia.

Esse fato chegou a ser questionado para a família, mas a mãe disse que o motivo das ligações foi porque a jovem estaria planejando uma festa surpresa para o sobrinho, filho da irmã e Hugleice.

Posteriormente, quando o corpo da vítima foi encontrado em um canavial, em Sidrolândia, o acusado foi até o local e chegou a dizer para a polícia que o corpo não era da vítima, e deixou o local.

A investigadora afirma que um detalhe chamou a atenção dela: perto de uma pedra onde estava o corpo, havia várias cascas de Halls preto.

Ela fez a ligação com o fato de Hugleice sempre estar chupando a mesma bala e “matou a charada”.

No mesmo dia em que o corpo foi encontrado, assim que saiu do local, antes da polícia, Hugleice foi para casa, pegou a mulher e a sogra e foi para o Alto Taquari, em Mato Grosso.

Após a ligação de Hugleice com a morte ser descoberta, ele voltou a Campo Grande e se entregou, chegando a ficar preso por um período, sendo solto depois.

Esse crime comoveu a população de Campo Grande, onde a estudante morava e a de Sidrolândia, onde ocorreu o crime.

IRMÃ DE MARIELLY

A irmã da vítima, Mayara Rodrigues, também foi ouvida e afirmou que nunca presenciou nenhuma situação que a fizesse desconfiar que o seu então marido, Hugleice de Souza, teria envolvimento com a vítima.

A irmã de Marielly, que era casada com Hugleice e hoje mora em Mato Grosso, prestou depoimento por videoconferência.

Durante o testemunho, ela chorou e disse que nunca desconfiou de nada e nunca testemunhou nada que indicasse um possível relacionamento do marido com a irmã.

Ela, que também foi vítima de Hugleice, quando tentou matá-la com uma facada no pescoço em 20018, disse que atualmente faz tratamentos psicológicos por conta das situações de dependência que teria passado.

Ela afirma que tenta entender como “nunca conheceu o homem que vivia com ela”.

Com relação ao caso de Marielly, Mayara afirma que quando ainda não tinha sido encontrado o corpo e acreditava-se que a vítima estava desaparecida, ela nunca desconfiou que o marido poderia estar envolvido.

Quando o corpo foi localizado, Hugleice pegou ela e a mãe e foram para Mato Grosso, e ela acreditou que seria para velar o corpo na região do Alto Taquari, onde eles tinham família.

Ainda segundo a irmã, assim que o marido foi apontado como o principal suspeito do crime, ele alegou à família que era mentira e que ele estava sendo incriminado.

Mayara e a mãe acreditaram na versão do acusado. Ainda no depoimento, Mayara afirma que Hugleice disse que Marielly engravidou do filho de um patrão.

Ela chorou muito em várias momentos e disse que jamais imaginou que o marido teria feito o que estava sendo acusado, desde o caso extraconjugal até o crime.

“Nunca desconfiei de nada, ele dizia que era vítima”, afirma.

Com relação à tentativa de homicídio que sofreu em 2018, Mayara diz que estava deitada quando Hugleice chegou, disse que ela iria morrer e deu uma facada no pescoço dela. Ela levou 39 pontos.

Pela tentativa de homicídio, ele foi condenado a 12 anos de prisão, em 2020, e cumpre a pena em Mato Grosso. Ele segue preso por este crime, mas já tenta sair em liberdade condicional por ter cumprido quase quatro anos da pena. Só por este motivo ele não saiu do Fórum solto ontem.

SAIBA

Apesar de ter confessado o romance com a cunhada em depoimento anterior, durante o julgamento, Hugleice negou  o envolvimento e ser o pai do feto abortado.

 

FONTE: CORREIO DO ESTADO