O governo de transição do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vai acionar a Justiça Eleitoral e órgãos de controle para que se apure fortes indícios de abuso de poder econômico e político do governo Jair Bolsonaro, em medidas que fizeram explodir a oferta do Auxílio Brasil em pleno período eleitoral. Cerca de 2,5 milhões de cadastros serão analisados e correm o risco de perder o benefício.
Os dados compilados pelo grupo técnico do Desenvolvimento Social e de Combate à Fome mostram o número de famílias unipessoais, ou seja, com apenas um integrante, saltou de 1,8 milhão em 2018 para 5.5 milhões em outubro deste ano.
O atual desenho do Auxílio Brasil, que voltará a se chamar Bolsa Família, estimula essa “divisão”, pois leva em conta a renda familiar, não a per capita.
Dessas 5,5 milhões de famílias com apenas um indivíduo, 2,5 milhões serão averiguadas, sob suspeita de receberem o benefício de forma irregular – 1,1 milhão em janeiro e 1,4 milhão em fevereiro.
“Não foi alteração de mudança de comportamento da população, mas sim da fórmula do cadastro, a forma como foi desenhado, a falta de comunicação, a indução ao erro, a desorganização das políticas públicas”, disse a ex-ministra Tereza Campello, membro do grupo técnico.
“São as consequências desse malfeito, da forma e da incompetência desse governo, com benefícios pagos em duplicidade, erros de exclusão gigantescos, deturpação de dados do cadastro único, prejudicando todos os demais programas. A população foi induzida a se cadastrar dessa forma, portanto, não é um malfeito da pessoa pobre, mas do Estado, do governo, do presidente Bolsonaro.”
O grupo técnico afirmou que, nos últimos três anos, o programa de transferência de renda passou por oito mudanças profundas realizadas por Bolsonaro. “Isso gera um nível de desorganização das políticas públicas e de confusão para os beneficiários.
Estão jogando a culpa na população empobrecida, quando, na verdade, o próprio governo conduziu esse processo dessa forma, em completa ausência de apoio e orientação às famílias, com a desorganização do sistema de assistência social, com a desinformação, inclusive, do próprio sistema”, comentou Campello
A senadora Simone Tebet (MDB-MS) afirmou que os dados serão levados a todas as instâncias competentes. “Nós temos uma questão de crime eleitoral que precisa ser analisada. Nós, como servidores públicos nomeados, temos, sob pena de crime de prevaricação, em tendo suspeitas ou indícios, que levar às autoridades competentes. Estaremos encaminhando isso para a Controladoria-Geral da União, para a Justiça Eleitoral e todas as autoridades cabíveis.
O processo pode gerar, inclusive, a inelegibilidade de algumas autoridades públicas, se comprovado que essas medidas tiveram, de alguma forma, fim eleitoreiro”, comentou.
O ex-ministro Aloizio Mercadante também destacou a gravidade da situação. “Vamos representar ao Ministério público, CGU, TCU (Tribunal de Contas da União) e órgãos de controle, porque isso precisa ter uma rigorosa apuração. Eleição é coisa muito séria, tem que ter responsabilidade, não pode ter abuso de poder econômico e político, não pode utilizar recurso público para comprar votos.
É isso que nós estamos discutindo aqui, são esses indícios que nós queremos que sejam apurados e as consequências são graves.”
“Imagina os municípios e o nosso governo, que recebeu uma bomba de ir visitar casas, para que essas pessoas comprovem se vivem sozinhas.
Os municípios nem foram informados sobre esse assunto, mandaram preencher um questionário que sequer é conhecido. Você vê que a trapalhada continua, o que eles não fizeram no governo deles lançam agora”, disse Tereza Campello. “Numa tacada, eles jogam no colo do governo que assume, no colo dos municípios que já estão sobrecarregados, a obrigação de ir atrás disso que eles mesmo produziram.”
Tereza Campello disse que o grupo realizou uma reunião com conselhos gestores municipais para pactuar um novo cronograma e processo de checagem de informações e que o calendário definido pela gestão Bolsonaro não será adotado pelo novo governo, até pela total precariedade de informações e impossibilidade de execução.
“Nos sentamos com eles, iniciamos uma repactuação do cronograma, tanto com municípios quanto com os Estados. Estamos sugerindo que, logo assumindo, a gente organiza uma campanha de esclarecimento de informações, para que a população não seja pega com medidas abruptas, desorganizando mais ainda o calendário, gerando mais insegurança a essas famílias.”
Outros dados suspeitos que serão investigados dizem respeito ao fato de 79 mil militares também se cadastraram para receber o Auxílio Brasil, embora estejam proibidos por lei de ter acesso ao programa. “Como é que 79 mil militares tiveram a ideia de, de uma hora para outra, se inscrever no programa, sendo que o servidor público tem vedação clara? Então, isso também será apurado”, comentou Tereza Campello.
Ministério esvaziado
Simone Tebet afirmou que os dados orçamentários e a paralisação de programas sociais revelam “um verdadeiro desmonte de políticas públicas de assistência e desenvolvimento social no atual Ministério da Cidadania”.
Segundo Tebet, a pasta sofreu um corte de 96% em seu orçamento para o ano que vem e que os valores previstos dariam para manter todos os programas do ministério por apenas dez dias, em vez de um ano inteiro.
“Hoje, praticamente quase todo o orçamento do ministério está única e exclusivamente voltado para o Auxílio Brasil e o Auxílio Gás. São programas extremamente importantes, é claro, mas todas as políticas públicas relacionadas a emprego, renda, iniciação e qualificação, inclusão produtiva, toda parte de cisternas de cestas básicas, além de alimentos em situações de calamidade pública, por exemplo, estão abandonadas por falta total de vontade política deste governo”, comentou a senadora.
Tebet defendeu a necessidade da aprovação da PEC da Transição, para pagar os R$ 600 por mês do Bolsa Família, além de R$ 150 por criança até seis anos, como também a necessidade de haver mais R$ 2 bilhões que garantam o auxílio-gás, foram os demais programas paralisados, como os que garantem a chegada de água a regiões mais secas do País.
“Essa situação está muito relacionada a essa visão míope, distorcida, tacanha e pequena do que significa a importância do Ministério da Cidadania, num país que entrou para o mapa da fome, com 33 milhões de pessoas passando fome”, comentou.
A ex-ministra Marcia Lopes, que também compõe o grupo técnico, afirmou que, atualmente, há 125 milhões de pessoas, mais da metade da população, em situação de insegurança alimentar. “Encontramos uma situação de absoluta calamidade e desespero. É total descaso e irresponsabilidade pública. Não há dúvida que aquilo que nós encontramos é a ruptura com o pacto federativo, com os Estados e municípios”, comentou.
FONTE: CORREIO DO ESTADO