Em meio às negociações do governo eleito de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para aprovar a PEC (proposta de emenda à Constituição) que expande os gastos públicos, o Tesouro Nacional emitiu um alerta sobre o risco de que um aumento forte de gastos impulsione o endividamento do país.
Nas estimativas do órgão, o texto aprovado pelo Senado abre espaço para uma despesa extra de R$ 193,7 bilhões em 2023 e colocaria a dívida pública em trajetória de ascensão. O indicador alcançaria 81,8% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2026.
A projeção é maior do que num cenário sem aprovação da PEC da Gastança. Nessa hipótese, a dívida bruta do país ainda subiria, mas em menor intensidade, alcançando 79,1% do PIB no mesmo prazo. Neste ano, o indicador deve fechar em 73,7%.
As previsões constam na segunda edição do Relatório de Projeções Fiscais, documento idealizado pelo órgão em uma tentativa de dar transparência às projeções de médio e longo prazo para as contas públicas do país. A intenção é que a publicação seja feita em periodicidade semestral.
No relatório, o Tesouro afirma que há um “cenário desafiador para a condução da política fiscal nos próximos anos”. Isso fica demonstrado na constatação de que, mesmo sem a PEC, haverá maior endividamento do país. Por isso, o órgão aponta a necessidade de adotar providências para revisar despesas e conter o crescimento dos gastos.
Qualquer novo desenho de nova regra fiscal, por melhor que seja, não vai conseguir solucionar sozinho a trajetória de endividamento, avaliam os técnicos.
“Tendo em vista os cenários apresentados neste relatório, a proposta de lei complementar [prevista na PEC] deve ser acompanhada de medidas de redução de despesa ou de aumento de receita, que sejam capazes de melhorar a trajetória do resultado primário já no curto prazo e trazer a dívida para níveis sustentáveis. A postergação destas medidas resulta em maiores juros nominais pagos pelo Tesouro Nacional e aumento do risco país, com reflexos negativos para o crescimento econômico e para a inflação.”
Para indicar o que pode acontecer daqui para a frente, os técnicos construíram alguns cenários de análise. Um deles, chamado de cenário base, considera as atuais regras fiscais (incluindo o teto de gastos, que limita o crescimento das despesas à inflação) e uma única ampliação de R$ 100 bilhões no teto em 2023 -mantida nos anos seguintes. A justificativa é incorporar as mudanças no Auxílio Brasil, que deve voltar a se chamar Bolsa Família.
O segundo é o cenário de referência, que parte do cenário base e acrescenta um patamar mínimo de despesas com custeio e investimentos ao redor dos R$ 120,3 bilhões (a preços de 2023). Ou seja, admite-se uma flexibilização futura no teto para que esses gastos.
É esse cenário de referência que o Tesouro Nacional toma como ponto de partida para projetar a tendência para os próximos dez anos.
A dívida pública tende a subir porque o país deve continuar tendo déficits até 2027, com uma breve exceção no ano de 2026. O retrato mostra uma deterioração em relação às expectativas ilustradas na primeira edição do relatório, em junho, quando se esperava a retomada do superávit primário -quando a arrecadação supera os gastos- já em 2024.
Com isso, a dívida bruta sairia de 73,7% do PIB em 2022 e atingiria um pico de 80,2% do PIB em 2027. Depois, haveria uma lenta redução, mas ainda assim a dívida se situaria em 77,6% em 2031 -acima do patamar atual.
Os cálculos não consideram eventuais medidas de concessão de reajustes para servidores públicos ou retomada da política de valorização do salário mínimo. Essas ações estão nos planos do novo governo.
“Medidas alternativas de política ou eventos que se traduzam em hipóteses diferentes do cenário apresentado para as despesas obrigatórias, como reajustes salariais para servidores, ganho real do salário mínimo e incorporação de mais famílias ao Auxílio Brasil poderiam elevar a despesa em cerca de 1,6% do PIB até 2031. Isso reforça a importância de que o aumento no ritmo de crescimento das despesas obrigatórias seja compensado pela redução de outras despesas, para que as despesas discricionárias não sejam excessivamente comprimidas e para que seja possível o cumprimento das regras fiscais”, afirma o Tesouro.
No cenário com a aprovação da PEC, a trajetória piora, mas as projeções vão só até 2026 -quando o indicador atingiria 81,8% do PIB, 2,7 pontos percentuais acima do que seria observado sem a aprovação da proposta.
O Tesouro entende que a PEC proporciona um gasto adicional de R$ 193,7 bilhões em 2023. Além da expansão do teto de gastos em R$ 145 bilhões e da possibilidade de realizar gastos extrateto em R$ 23 bilhões, a redação atual permite o uso (por uma única vez) de R$ 24,6 bilhões hoje parados no Fundo PIS/Pasep e que não foram reclamados nos últimos 20 anos.
Além disso, a simulação considera a manutenção do aumento do teto de R$ 145 bilhões nos anos de 2025 e 2026, prazo oficialmente não contemplado pela PEC, que vai até 2024. A justificativa para isso é prever a “continuidade das medidas do Auxílio Brasil sem que outras despesas sejam reavaliadas”.
“As análises e simulações aqui apresentadas evidenciam, assim, a necessidade de se traçar uma estratégia fiscal prudente para que se possa promover a sustentabilidade da dívida pública”, diz o documento.
O Tesouro Nacional não só aponta a necessidade de rever despesas, mas também elenca evidências de que há espaço para isso no Orçamento.
Redesenho do Bolsa Família economizaria R$ 26 bi, indica cálculo Em outra simulação, o órgão afirma que há possibilidade de economizar R$ 26 bilhões no Bolsa Família a partir de uma reformulação do programa social.
Hoje, a política prevê um pagamento mínimo de R$ 600 por família, independentemente do número de integrantes -o que gera distorções, segundo especialistas. Uma mãe com filhos acaba recebendo o mesmo valor que um homem solteiro sem filhos.
Além disso, o valor médio pago no programa está em torno de R$ 605, indicando que a maior parte dos beneficiários está recebendo o valor mínimo fixado pelo atual governo Jair Bolsonaro (PL). A cifra é 170% maior que o benefício médio praticado em novembro de 2021, antes da reformulação do programa social em Auxílio Brasil.
O Tesouro então fez um exercício aplicando esse percentual de 170% sobre a estrutura antiga de benefícios do Bolsa Família, que privilegiava um valor mínimo por integrante familiar.
“Para fins ilustrativos, se aplicarmos o aumento de 170% do benefício médio familiar ao valor per capita, de forma que famílias com maior número de integrantes recebessem um valor superior a famílias com menos pessoas, teríamos uma despesa de R$ 133 bilhões anuais. Neste cenário, haveria uma melhor distribuição da renda familiar per capita e menor gasto do que no caso de benefício mínimo de R$ 600 independentemente da composição familiar (R$ 159 bilhões)”, diz o estudo.

 

FONTE: CORREIO DO ESTADO