A equipe do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sugeriu que a Polícia Federal passe a ser responsável pela concessão de registro e pela autorização para aquisição de armas para CACs (caçadores, atiradores e colecionadores). Atualmente, esse papel é do Exército.
Conforme apontado na conclusão dos trabalhos da transição de governo, as armas passariam a ser cadastradas no Sinarm (Sistema Nacional de Armas), base de dados da PF. Já as informações sobre aquelas de uso restrito devem ser compartilhadas com o Exército e também estarão no Sigma (Sistema de
Gerenciamento Militar de Armas), usado pelos militares.
As informações são do advogado Marco Aurélio de Carvalho, um dos coordenadores do grupo de Justiça e Segurança Pública e que liderou a discussão sobre armas na equipe do governo de transição. Para ele, a PF está mais bem estruturada para ter esse controle.
“Não temos a menor dúvida de que, durante o governo Bolsonaro, o Exército falhou na fiscalização dos CACs. Talvez até por deliberação do presidente”, disse.
Uma auditoria realizada pelo TCU (Tribunal de Contas da União) já apontou indícios graves de fragilidade na atuação do Exército como ente fiscalizador de clubes de tiro, lojas de armas e CACs.
Carvalho ressaltou que o grupo levou a sugestão para que Lula e o futuro ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, possam tomar a decisão final.
Caso a proposta seja acatada, deve estar já no decreto do “revogaço” de normas pró-armas criadas no governo Bolsonaro. Dino sinalizou em entrevista à Folha que o instrumento será publicado no início do mandato.
Segundo o advogado, aumentou ainda mais a preocupação com o descontrole de armas no país com o recente caso de terrorismo em Brasília.
No sábado (24), foi preso George Washington de Oliveira Sousa sob a acusação de planejar explodir um caminhão de combustível em via próxima ao aeroporto de Brasília.
Em depoimento à Polícia Civil do Distrito Federal, o suspeito disse que planejou com manifestantes do QG (Quartel General) no Exército a instalação dos explosivos em pelo menos dois locais da capital federal para “dar início ao caos” que levaria à “decretação do estado de sítio no país”, o que poderia “provocar a intervenção das Forças Armadas”.
Ele afirmou que trabalha como gerente de um posto de gasolina no interior do Pará e que, desde outubro de 2021, quando obteve licença como CAC durante o governo Bolsonaro, já teria gastado cerca de R$ 160 mil na compra de pistolas, revólveres, fuzis, carabinas e munições.
“Esse atentado só passou a ter a dimensão que teve por conta, entre outras coisas, do acesso facilitado às armas. O próximo governo tem um desafio que não é pequeno, eu até diria que é um desafio enorme de desarmar a população”, disse Carvalho.
O grupo também sugeriu um controle maior sobre os CACs, que deverão ter uma quantidade mínima de frequência em clubes de tiros e competições. A intenção é que somente as pessoas que realmente sejam caçadores, colecionadores ou atiradores desportidos estejam dentro da categoria.
O grupo sugeriu também barrar o porte de trânsito, que autoriza o CAC a andar com a arma municiada do local de guarda até o clube de tiro ou de caça. Na visão de pessoas que participam das discussões, a normativa virou um porte de armas camuflado.
Como a Folha revelou, os CACs têm aproveitado os decretos armamentistas para andarem armados mesmo quando não estão a caminho dos locais de prática de tiro ou caça. Há casos de pessoas flagradas com a arma trabalhando em outro estado, após uso de bebida alcoólica ou com drogas.
Carvalho disse que também há sugestão para que as armas sejam de uso permitido, restrito e proibido. Os fuzis entrariam como sendo de uso proibido até mesmo para os CACs –inclusive em competições esportivas.
“Eu não acho razoável que ele seja utilizado [fuzil] nem sequer em competição esportiva. Não vejo justificativa para isso”, avaliou Carvalho.
Carvalho sugeriu que os decretos que deram acesso às armas de grosso calibre sejam questionados junto ao STF (Supremo Tribunal Federal). Dessa forma, explica, o governo conseguirá fazer a apreensão do material bélico caso a pessoa não entregue a arma voluntariamente.
“A partir do momento que o Supremo definir o que é ilegal, poderemos estabelecer políticas de recompra ou de indenização para recolher as armas. Se o sujeito não entregar, com a ordem judicial você pode apreender”, disse.
Na visão de Carvalho, as mudanças sugeridas devem ser realizadas gradualmente e o governo deve estar preparado para lidar com possíveis tensões que possam surgir com o setor bélico e grupos armamentistas.
“Não podemos deixar de tomar as providências com medo de desagradar a determinados setores, sobretudo com os setores que são objetos dessa política”, declarou.
FONTE: CORREIO DO ESTADO