Embora as atenções estejam voltadas para o voto de qualidade do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), a articulação política no Palácio do Planalto está de olho mesmo em outra votação: a aprovação dos novos diretores do BC (Banco Central).
Dos 8 dirigentes da instituição, dois encerram seus mandatos no próximo dia 28. Pela lei, a indicação dos substitutos é feita pelo presidente da República, mas precisa ser aprovada pelo Senado Federal.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vem em uma cruzada contra a autonomia do BC, criticando seu presidente, Roberto Campos Neto, e a taxa básica de juros, hoje em 13,75%. O petista vem afirmando que, nesse patamar, será difícil a economia crescer e gerar empregos.
Por isso, a aprovação de nomes alinhados ao governo federal será importante. A avaliação é de que no Senado a oposição está mais organizada e chegou a entregar 32 votos a Rogério Marinho (PL-RN), ex-ministro de Jair Bolsonaro (PL), para presidir a Casa.
A votação do voto de minerva no Carf só deve ocorrer mais para frente, pelo menos em meados de março. O pacote enviado ao Congresso em janeiro pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, devolve à União o poder de desempate em decisões do colegiado.
O mecanismo havia sido derrubado em 2020, no governo Jair Bolsonaro (PL), e pelas contas da equipe econômica, gerou um prejuízo de R$ 60 bilhões ao ano. A alteração motivou reação do mercado.
Críticas
O economista André Lara Rezende criticou duramente as altas taxas de juros mantidas pelo Banco Central, presidido por Roberto Campos Neto.
Na semana passada, Lula voltou a atacar o BC. Como a coluna Mônica Bergamo, do jornal Folha de S.Paulo, revelou, ele considera que Campos Neto traiu o governo e quer levar o país à recessão.
Em entrevista ao Canal Livre, da TV Bandeirantes, que vai ao ar neste domingo (2), o economista reforça o alerta. E diz que a taxa alta, combinada com balanços negativos dos bancos, pode colocar, sim, o país em recessão.
“O fato de que tivemos quebras no varejo leva os bancos a retraírem drasticamente o crédito. Assim, você agrava o processo de desaquecimento da economia e coloca o país em uma possível recessão muito séria”, diz.
Ele também afirma que o argumento de que o Brasil passa por uma crise fiscal não se sustenta.
“Primeiro, esse terrorismo é feito permanentemente, o ‘risco fiscal’. A relação dívida do PIB brasileiro, os resultados do ano passado, foi de superávit primário de 1,3%. A dívida-PIB caiu para 73%, há anos falam que vamos bater em 100%, 90%, mas esse é o nível mais baixo dos últimos seis, sete anos”, segue o economista.
Questionado sobre os riscos de um déficit fiscal permanente, ele respondeu:
“Pera aí, me explica por que não é sustentável? O que quer dizer risco fiscal? Risco de sustentabilidade? É a dívida. [O economista norte-americano] Jeffrey Sachs, que tivemos uma reunião ontem desse Comitê Estratégico do BNDES para investimento a longo prazo, repetiu o que me disse em um jantar no início deste mês. Se você olha as contas brasileiras, os números brasileiros e pergunta sobre o país, falam que o país está perfeitamente bem, com a economia em ordem. Há um endividamento muito inferior ao de todos os países desenvolvidos, em linha com os países em desenvolvimento. E a dívida brasileira é integralmente em moeda nacional”.
Ele disse também que o fato de a dívida brasileira ser maior do que a de países de desenvolvimento semelhante é natural.
Conforme o especialista, a dívida nacional é pouco acima dos países emergentes. Por sermos um país maior, como cita ele, quanto mais sofisticado no mercado financeiro, maior a dívida interna.
“A dívida interna é o ativo sem risco do sistema financeiro, deve ter uma proporção. É mais coerente medir a proporção de dívida com ativos privados. Porque a dívida pública é uma dívida do governo e um ativo do setor privado, as pessoas se esquecem isso. Se o governo superavitar e reduzir a dívida interna para zero, o setor privado perderia 70% do PIB em termos de riqueza financeira”, disse.
Com isso, ele considera a situação fiscal brasileira como “muito razoável”, já que o Brasil tem nos últimos anos, e sempre teve no século 21, em quase todos os anos, superávit primário.
“Alguns anos teve déficit primário e depois voltou e nesse ano voltou a ter superávit de 1,3% do PIB. Como se pode dizer que é um risco fiscal e por isso a taxa de juros tem que ser alta? A taxa de juros básica quem determina é o Banco Central, a de longo prazo é fixada pelo mercado na expectativa do custo de carregamento, por isso ela também é determinada pelo Banco Central”, seguiu ele.
“O brasileiro é todo financiado por brasileiro. Quem financia o Brasil são os brasileiros, em moeda nacional. Quem compra dívida pública não é investidor, é rentista. Investidor é quem investe com risco, na dívida pública não tem risco”, concluiu o economista.
A entrevista de Lara Resende será exibida às 20 horas no BandNews TV e à meia-noite, na Band e também pelo YouTube.
A apresentação é de Rodolfo Schneider com a participação dos jornalistas Juliana Rosa, André Basbaum e Rodrigo Orengo.
FONTE: CORREIO DO ESTADO