Embora tenha sido aprovada quatro meses após a primeira denúncia registrada contra Stephanie de Jesus da Silva, 24 anos, e Christian Campoçano Leitheim, 25 anos, mãe e padrasto de Sophia de Jesus Ocampo, morta após agressão física e sexual, a Lei n° 14.344, conhecida também como Lei Henry Borel, poderia ter sido usada para dar mais proteção à vítima de apenas dois anos.
Entre várias ações, a Lei Henry Borel prevê que a criança seja amparada por medidas restritivas e com o afastamento imediato da convivência com os acusados.
Ao Correio do Estado, o advogado criminalista Gustavo Scuarcialupi explicou que no caso da menina Sophia há uma divisão na aplicação da lei, já que os crimes foram praticados antes e continuaram após a aprovação da legislação, assim a normativa só poderá ser levada em conta apenas nos fatos que aconteceram após a sanção da lei.
No entanto, Sophia poderia ter sido protegida pela nova legislação em outras ocasiões, já que a investigação do primeiro boletim, registrado em 31 de janeiro de 2022, na Delegacia Especializada em Proteção à Criança e ao Adolescente (Depca), ainda estava em andamento quando a Lei Henry Borel entrou em vigor no País.
A outra ocasião em que as instituições, especialmente a Depca, poderiam ter recorrido à lei data de 22 de novembro de 2022, quando Jean Carlos Ocampo, pai de Sophia, registrou o segundo boletim de ocorrência para relatar as suspeitas de novas agressões contra a menina.
FALHAS RECORRENTES
“Diferente do que eles falaram, não foi informado sobre medidas protetivas, e mesmo que fosse, a gente não pode negar o direito de proteção à criança. A autoridade está ali representando o Estado e tem o dever de proteger e fazer o pedido imediato de medida protetiva”, afirmou Janice Andrade, advogada que representa o pai da criança, ressaltando que houve omissão e negligência na condução do caso desde o registro do boletim de ocorrência.
O pai ainda acrescenta que essa versão apresentada pela delegacia durante os desdobramentos e a repercussão do caso não condiz com os fatos, já que Jean afirma que recorreu à Depca justamente para que Sophia fosse retirada da residência onde era maltratada pela mãe e pelo padrasto.
“Não importava se ia ficar com minha mãe ou com a mãe de Stephanie, ou com uma medida protetiva em um abrigo, porque onde ela estivesse eu ia conseguir pegar, ia conseguir trazer ela para mim. Mas que tirassem ela daquele meio onde estava vivendo. Isso só contradiz que negamos a medida protetiva”, destacou Jean em entrevista exclusiva ao Correio do Estado.
Andrade ainda afirmou que mesmo sem a Lei Henry Borel estar em vigência na época do primeiro boletim de ocorrência, Sophia deveria ter sido protegida, já que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Constituição Federal garantem a proteção integral da infância e juventude.
“Na dúvida, em relação à violência contra mulher, à criança e ao idoso, a gente protege e depois investiga, e não ao contrário. Na dúvida, tem de preservar a vida, a integridade”, destacou, apontando que este procedimento está previsto em outras leis, e não apenas na Henry Borel.
NEGLIGÊNCIA
Ainda de acordo com a lei, as testemunhas da violência infantil que forem crianças e adolescentes também deveriam ser protegidas, o que também não aconteceu em relação ao filho de Christian, que vivia na residência e presenciava as constantes agressões contra Sophia.
De acordo com as investigações, o menino, que tinha quatro anos na época do primeiro boletim, foi ouvido em escuta especial após a morte de Sophia, quando confirmou todas as agressões e que também apanhava do pai.
Contudo, além do depoimento do garoto não ter sido levado em consideração, ele também seguiu convivendo com seu pai e sua madrasta e sofrendo o mesmo tipo de violência.
De acordo com Janice Andrade, a menina sofria mais por ter um pai casado com outro homem.
A Lei Henry Borel também deverá ser levada em consideração quando o casal passar pelo julgamento, que ainda não tem data marcada.
Segundo o que o advogado criminalista Gustavo Scuarcialupi explicou ao Correio do Estado, os crimes cometidos antes da lei não se aplicam porque não podem retroagir.
Por outro lado, para os crimes cometidos após a publicação da norma, o julgamento deve considerar as atenuantes previstas, inclusive a que transforma o homicídio de crianças menores de 14 anos em crime hediondo.
“Como ele cometeu [o crime] em uma continuidade desde antes da legislação e até depois, vai se aplicar ao que ocorrer após a lei mais grave [a legislação atual] e para o que aconteceu antes, a lei menos grave”, explicou Scuarcialupi.
O advogado ainda acredita que o julgamento levará em conta outras atenuantes de pena, por exemplo, o fato de ter sido cometido pela mãe e pelo padrasto, a constância das agressões e o fato dela ser uma criança.
Saiba: Henry Borel, de apenas quatro anos, que dá nome à lei criada para garantir mais proteção às crianças, foi assassinado no dia 8 de março de 2021, no Rio de Janeiro. A mãe, Monique Medeiros, e o padrasto de Henry, Jairo Souza Santos Júnior, foram os responsáveis pelo crime.
FONTE: CORREIO DO ESTADO