O caso de Sophia de Jesus Ocampo completa dois meses neste domingo, sem que mudanças no combate à violência contra a criança de fato tenham trazido resultados em Mato Grosso do Sul. Na prática, pouco se avançou na prevenção contra crimes bárbaros como o cometido contra a menina de apenas 2 anos.

Por trás dos erros sistêmicos do sistema de saúde, da Justiça e do Conselho Tutelar, as medidas anunciadas até o momento ainda esbarram na burocracia, com os esforços concentrados no pós-violência, o que, de forma imediata, não é suficiente para evitar que crianças e adolescentes continuem sendo as maiores vítimas de violência sexual em Mato Grosso do Sul.

Ao Correio do Estado, Janice Andrade, advogada que representa o pai de Sophia, Jean Carlos Ocampo, e seu marido, Igor de Andrade, destacou que diversas mães e pais ainda relatam despreparo no atendimento oferecido nas delegacias e inaptidão para lidar com as crianças vítimas de violência.

“O atendimento na Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente [DEPCA] é péssimo na escuta especializada das crianças e vítimas menores de idade, não há profissionais capacitados para isso. Temos relatos de mães que passaram mais de cinco horas sem que o boletim de ocorrência fosse lavrado”, afirmou Janice.

A advogada destacou, ainda, que muitos erros são cometidos na elaboração dos boletins de ocorrência, redigidos, em sua maioria, de forma errada. “O despreparo do sistema continua, e não vejo nenhuma mudança na rede de proteção da criança e do adolescente nos últimos dois meses”, salientou.

O CASO

Sophia de Jesus Ocampo, de 2 anos, chegou morta à Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Coronel Antonino, em Campo Grande, no dia 26 de janeiro, após ser espancada pelo padrasto, Christian Campoçano Leitheim, de 25 anos, e pela mãe, Stephanie de Jesus da Silva.

A criança já havia passado, em dois anos e sete meses de vida, por pelo menos 30 atendimentos nas unidades de saúde. O laudo necroscópico indicou que a pequena Sophia morreu por um traumatismo na coluna causado por agressão física.

A criança apresentava, ainda, sinais de estupro, crime comprovado após análise feita pelo Instituto de Medicina e Odontologia Legal (Imol).

Conforme Janice Andrade, a audiência de instrução e julgamento de Stephanie de Jesus da Silva e Christian Leitheim deve acontecer no dia 17 de abril.

INVESTIGAÇÃO

A Secretaria Municipal de Saúde (Sesau) de Campo Grande continua conduzindo a investigação para apurar as falhas cometidas no caso de Sophia.

Em apenas dois anos de vida, a menina passou por 30 atendimentos nas UPAs, onde nenhum profissional identificou que a criança sofria violência.

No início deste mês, quando o primeiro prazo de 15 dias para a conclusão da investigação venceu, o Correio do Estado questionou a Sesau sobre o andamento da apuração.

À época, a secretaria informou que a investigação ainda estava na fase inicial, quando os investigados e outros envolvidos no caso ainda seriam ouvidos. Ainda de acordo com a Sesau, o procedimento investigatório poderia ser estendido por mais três meses.

A reportagem fez novo contato com a secretaria nesta sexta-feira e foi informada que o processo de sindicância segue em trâmite e em sigilo, em razão de seu conteúdo e objeto de apuração. Não foram informados prazos para a conclusão do processo de investigação na Sesau.

Correio do Estado também acionou a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) e a Polícia Civil, questionando quantos atendimentos a crianças haviam sido realizados durante os plantões da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam), serviço que começou a ser disponibilizado na unidade no início deste mês. Não houve resposta até o fechamento desta edição.

O espaço segue aberto para manifestação da Sejusp e da Polícia Civil.

Em entrevista ao Correio do Estado no dia 11 de março, o titular da Sejusp, Antônio Carlos Videira, relatou que, desde o caso de Sophia, muitas denúncias passaram a vir de profissionais de saúde que atendem crianças nos postos e até de professoras, que percebiam comportamento atípico em seus alunos.

“E nós estamos fomentando cada vez mais as Salas Lilás, para ter um ambiente propício para a vítima ser atendida e relatar o fato. Mas não é somente isso: o que a gente precisa é não revitimizar a pessoa ou a criança. Por isso estamos fazendo uma recapacitação de oitivas especializadas”, disse Videira.

 

FONTE: CORREIO DO ESTADO