O terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) completa 100 dias nesta segunda-feira (10) com ênfase em marcas petistas de governos anteriores, como a reciclagem do Bolsa Família e do Minha Casa, Minha Vida, mas com dificuldades em avançar em novos programas ligados à área econômica.
A criação do Desenrola -voltado à renegociação de dívidas das famílias-, por exemplo, ainda não se tornou realidade, embora as discussões tenham evoluído. A promessa de isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5.000 é outro tema que teve uma evolução apenas parcial.
Depois de 100 dias de governo, as entregas ficaram restritas a propostas que, em grande parte, não dependem de articulação política, enquanto projetos mais complexos e reformas estruturais devem se diluir ao longo do mandato, sob o risco de perderem força com o passar do tempo.
A Folha de S.Paulo compilou mais de 80 promessas para a economia feitas por Lula ao longo da campanha eleitoral e em seu programa de governo. Na última terça-feira (4), procurou os 19 ministérios responsáveis por cada um dos temas, além de Petrobras e Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), questionando ponto a ponto o estágio atual dos objetivos estipulados pelo presidente.
Apenas seis ministérios responderam objetivamente. Outros cinco e a Conab disseram que a Casa Civil concentraria os pedidos. O restante não se pronunciou.
A Casa Civil, por sua vez, disse de forma genérica que o governo trabalha para cumprir as propostas ao longo dos quatro anos de mandato do presidente Lula -citando especificamente as divulgadas no plano de governo apresentado durante a campanha.
“É um compromisso dessa gestão a reconstrução do país por meio da implementação de novos projetos e retomada de ações estruturantes. No dia 10 de abril deste ano, será apresentado um balanço público das ações já realizadas, que poderá ser acompanhado por toda a população, incluindo esta Folha de S.Paulo”, escreveu a Casa Civil.
As entregas e respectivas divulgações até o marco dos 100 dias do governo viraram motivo de cobrança do próprio presidente a seus ministros. Lula, que argumenta ter passado parte de seus primeiros dias no terceiro mandato reconstruindo programas desmontados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), tem pressa e pressiona os membros do primeiro escalão a apresentar novidades.
A análise feita pela Folha dos mais de 80 itens prometidos por Lula mostra que algumas ações que marcaram gestões petistas anteriores foram as primeiras medidas que o governo conseguiu tirar do papel.
A gestão Lula 3 resgatou marcas petistas consagradas e rebatizou os programas governamentais voltados para a população de baixa renda renomeados durante a gestão Bolsonaro.
A nova versão do Bolsa Família, que substituiu o Auxílio Brasil, manteve o benefício mínimo de R$ 600 mensais, com adicional de R$ 150 por criança de 0 a 6 anos e extra de R$ 50 por cada integrante da família entre 7 e 18 anos.
Foi relançado também o Minha Casa, Minha Vida -em substituição ao Casa Verde e Amarela- com o retorno da faixa 1, dessa vez voltado para famílias com renda mensal bruta de até R$ 2.640 (anteriormente, a renda exigida era de R$ 1.800).
A nova versão do programa, lançado originalmente em 2009, permite ainda a compra de imóveis usados com recursos do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço). Nesta segunda, está previsto o anúncio de um novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), que prevê a retomada de obras paradas e investimento em diferentes áreas. O primeiro foi lançado durante o segundo mandato do petista, em janeiro de 2007.
Lula também redesenhou a Esplanada dos Ministérios para recriar pastas emblemáticas das gestões petistas, como Igualdade Racial, Cultura e Esporte, por exemplo. A MP (medida provisória) enviada em janeiro que deixou o governo com 37 pastas ainda precisa passar pelo crivo do Congresso.
O Ministério da Fazenda tem trabalhado seus dois principais projetos na área econômica -arcabouço fiscal e reforma tributária- com o objetivo de sinalizar o comprometimento do governo com a melhora das contas públicas do país. Tanto a reforma tributária, em discussão na Câmara dos Deputados, quanto a nova regra fiscal, que será enviada ao Congresso antes do dia 15, são as principais apostas do governo para uma gestão com “credibilidade, responsabilidade e previsibilidade”.
Se algumas medidas prometidas pelo presidente ao longo de 2022 já começaram a tomar forma, outras enfrentam entraves para sair do papel -e algumas dificilmente sairão.
No campo tributário, algumas das promessas de Lula devem ficar para um segundo momento. O governo ampliou a faixa de isenção do Imposto de Renda para dois salários mínimos, mas o valor ainda representa pouco mais da metade da meta de R$ 5.000 anunciada pelo presidente na campanha eleitoral.
Outro compromisso, o de tributar super-ricos, também deve ser inserido na discussão de patrimônio e renda -sem perspectiva de início.
Uma das principais quedas-de-braço travadas por Bolsonaro e encampadas por Lula, a mudança na política de preços da Petrobras, tem gerado discursos divergentes nos últimos dias.
Nesta quinta-feira (6), o presidente afirmou que o governo ainda vai debater uma alteração nesse cálculo, desautorizando o ministro de Minas Energia, Alexandre Silveira.
Na véspera, Silveira disse que a estatal mudaria sua política comercial para adotar um novo modelo, batizado de PCI (preço de competitividade interna).
A reversão da privatização da Eletrobras, também prometida durante a campanha, dificilmente conseguirá ser efetivada, em especial pelas condições da pulverização do controle da companhia e pelo custo financeiro elevado para desfazer o negócio.
Na área trabalhista, após sugerir a revogação da reforma feita durante o governo de Michel Temer (MDB), o PT indicou que iria propor uma nova legislação. Até agora, o que tem caminhado é o debate nos grupos de discussão do Ministério do Trabalho e Emprego sobre a regulação de aplicativos e o financiamento sindical.
Em nota, a pasta indicou que os dados e contribuições trazidos pelos setores representados nesses grupos estão em fase de estudo e análise.
“Com relação à Legislação Trabalhista, reiteramos as palavras do ministro [Luiz Marinho]: ‘não haverá canetaço’, ou seja, o governo está comprometido com a discussão democrática dos temas que afetam o mundo do trabalho, sempre respeitando os limites institucionais.”
O governo ainda fez aceno a categorias que o apoiaram e concedeu reajuste linear de 9% a servidores do Executivo, cumprindo a promessa de campanha de elevar o salário do funcionalismo e alinhando a gestão às práticas dos mandatos anteriores de Lula.
Também deu os primeiros passos na retomada da política de valorização do salário mínimo, outra prática vista em exercícios anteriores do presidente. No segmento da agricultura, o tradicional Plano Safra está em fase de construção para o ciclo 2023-2024, com previsão de anúncio entre o fim de maio e início de junho.
Atualmente, os setores do agronegócio estão sendo ouvidos para a consolidação das demandas, indicou o Ministério da Agricultura e Pecuária em nota.
“A previsão deste ano é que o Plano Safra apresente redução da taxa de juros para agricultura sustentável, em atenção aos produtores rurais comprometidos com critérios ambientais e sociais, em todas as categorias”, acrescentou.
A retomada da reforma agrária e a promessa de tirar o Brasil novamente do mapa da fome demandam tempo para terem resultados medidos. Na área ambiental, houve a retomada do Fundo Amazônia, com a liberação de R$ 3,3 bilhões que estavam congelados no governo Bolsonaro, e a reestruturação do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia, que entrará em consulta pública na próxima segunda.
“O Brasil retomou os diálogos climáticos internacionais e voltou a fiscalizar crimes ambientais. Na Amazônia, as multas por desmatamento aumentaram 219% e as apreensões tiveram alta de 133% no trimestre em comparação com a média para o mesmo período dos quatro anos anteriores”, disse o Ministério do Meio Ambiente Na Saúde.
O governo deu o pontapé inicial para implementar o Complexo Econômico-Industrial da Saúde, com expectativa de que, em até 10 anos, 70% das necessidades do SUS (Sistema Único de Saúde) em medicamentos, equipamentos, vacinas e outros materiais médicos passem a ser produzidos no país.
Na segunda-feira (3), foi criado o Grupo Executivo do Complexo Econômico-Industrial da Saúde, interministerial e que reúne também representantes da sociedade civil.
Quanto à proposta de assegurar internet de qualidade em todo o território e direito à inclusão no ambiente de conectividade, o Ministério das Comunicações informou uma série de ações realizadas.
Entre as medidas citadas, estão a instalação de conexões de alta velocidade em comunidades e em escolas, apoio às vítimas das chuvas em São Sebastião (SP) e Maranhão e conectividade para atendimento ao povo indígena yanomami.
No campo da igualdade racial, um pacote de medidas foi divulgado em 21 de março em cerimônia no Planalto com a presença de Lula e da ministra Anielle Franco. O preenchimento de vagas para pessoas negras em, no mínimo, 30% nos cargos em comissão e função de confiança foi a principal ação proposta.
Em nota, o Ministério da Igualdade Racial citou também a formação de um grupo de trabalho interministerial para a criação do Programa Nacional de Ações Afirmativas.
PRINCIPAIS PROMESSAS DO GOVERNO LULA 3 LIGADAS À ECONOMIA –
- Retomada da reforma agrária.
Atual estágio: parado. Novo presidente do Incra, César Aldrighi prometeu retomar as políticas voltadas ao Programa Nacional de Reforma Agrária, mas as ações ainda não saíram do papel.
- Reduzir as taxas de juros no Plano Safra, no Pronamp e no Pronaf “para produtores comprometidos com critérios ambientais e sociais
Atual estágio: em andamento. Setores do agronegócio estão sendo ouvidos para a consolidação das demandas do Plano Safra 2023/2024.
- Recuperar política externa ativa e reconstruir cooperação internacional Sul-Sul.
Atual estágio: em andamento. Desde que assumiu a Presidência, Lula tem estreitado laços com os países vizinhos. Em sua primeira viagem internacional, visitou Argentina e Uruguai.
- Assegurar internet de qualidade em todo o território e direito à inclusão no ambiente de conectividade.
Atual estágio: em andamento. Foram instaladas 520 conexões de alta velocidade em comunidades e em escolas, além de enviados kits de acesso à internet para atendimento no Território Indígena Yanomami.
- Revogar teto de gastos e remodelar o regime fiscal brasileiro.
Atual estágio: em andamento. O desenho do novo arcabouço fiscal foi apresentado pelo Ministério da Fazenda e será encaminhado ao Congresso antes de 15 de abril. O modelo pressupõe um crescimento das despesas federais limitado a 70% do avanço das receitas primárias líquidas. A reforma tributária está sendo debatida por um grupo de trabalho na Câmara dos Deputados.
- Renegociar dívidas das famílias.
Atual estágio: em andamento. O programa Desenrola terá um fundo garantidor de R$ 10 bilhões para ajudar a renegociar dívidas contraídas por 37 milhões de brasileiros. Mas dificuldades técnicas no desenvolvimento do sistema atrasaram o lançamento da iniciativa.
- Manutenção do auxílio de R$ 600, com extra de R$ 150 por filho.
Atual estágio: concluído. O novo Bolsa Família, que substituiu o Auxílio Brasil do governo Jair Bolsonaro (PL), manteve o benefício mínimo de R$ 600 mensais, com adicional de R$ 150 por criança de 0 a 6 anos.
- Tirar o Brasil do mapa da fome.
Atual estágio: em andamento. Além de investir em programas sociais, o governo federal restabeleceu o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, o Consea. No dia 22 de março, também relançou o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos), que tem como prioridade o fomento da produção familiar.
- Nova política de preços na Petrobras.
Atual estágio: parado. O presidente Lula afirmou que o governo ainda vai debater uma alteração nesse cálculo, desautorizando o ministro de Minas Energia. Na véspera, Alexandre Silveira disse que a estatal mudaria sua política comercial para adotar um novo modelo, batizado de PCI (preço de competitividade interna).
- Reverter privatização da Eletrobras.
Atual estágio: parado. Pelas condições da pulverização do controle da companhia e pelo custo financeiro elevado para desfazer o negócio, a promessa dificilmente conseguirá ser efetivada.
- Criar um novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).
Atual estágio: em andamento. Está previsto o anúncio de um novo PAC, com a retomada de obras paradas e investimento em diferentes áreas, nesta segunda-feira (10), marco dos 100 dias do governo.
- Garantir direito à água e universalizar saneamento básico.
Atual estágio: em andamento. O presidente Lula assinou na quarta-feira (5) dois decretos que mudam parte da regulamentação do marco legal do saneamento. A medida, contudo, deixou uma brecha para que companhias estaduais prestem serviços sem licitação.
- Retomar o Minha Casa Minha Vida.
Atual estágio: concluído. Em 14 de fevereiro, o governo retomou o programa de habitação criado por Lula em março de 2009. A faixa 1 agora é voltada para famílias com renda mensal bruta de até R$ 2.640 (anteriormente, a renda exigida era de R$ 1.800).
- Criar programa “Empreende Brasil”, com crédito a juros baixos.
Atual estágio: parado. O assunto ainda não entrou em discussão nas pastas econômicas do governo Lula.
- Reajustar salário de servidores federais.
Atual estágio: concluído. O governo Lula assinou em 24 de março o acordo por um reajuste de 9% para os servidores federais a partir de maio (pago em junho), somado a um aumento de R$ 200 no auxílio-alimentação.
- Paridade de salário entre homens e mulheres.
Atual estágio: em andamento. Em 8 de março, o governo anunciou projeto de lei por igualdade salarial entre mulheres e homens para o exercício de mesma função. O texto foi encaminhado ao Congresso e aguarda despacho do presidente da Câmara, Arthur Lira.
- Propor regulação de aplicativos.
Atual estágio: em andamento. O tema está em discussão nos grupos de trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego.
- Isenção do IR para quem ganha abaixo de R$ 5.000.
Atual estágio: em andamento. O presidente Lula confirmou que a isenção do Imposto de Renda será concedida a quem ganha até dois salários mínimos (R$ 2.640). Segundo o chefe do Executivo, em algum momento, gradativamente, ela chegará a R$ 5.000.
- Combater mineração ilegal na Amazônia.
Atual estágio: em andamento. Em fevereiro, o Ibama iniciou a retomada do território Yanomami, com a expulsão de garimpeiros, que já resultou na destruição de 300 acampamentos, 8 aeronaves e dezenas de barcos e tratores. Decreto do último governo que promovia o garimpo foi revogado.
FONTE: CORREIO DO ESTADO