Negociação entre Brasil e Paraguai definiu a tarifa de energia de Itaipu para 2023 em US$ 16,71/Kw (R$ 82,57 por kilowatt). O valor foi aprovado pelo conselho de administração da usina binacional nesta segunda-feira (17), conforme antecipado pela Folha de S.Paulo.
A tarifa de Itaipu para a cobrança no Brasil havia sido fixada unilateralmente, no final do governo de Jair Bolsonaro (PL), em US$ 12,67 (R$ 62,65). O Paraguai trabalhou para manter o valor de US$ 20,75 (R$ 102,60), que havia sido efetivado por ambos os lados em 2022. Em entrevista à Folha, o novo diretor-geral de Itaipu, Enio Verri, já havia sinalizado que seria difícil manter o valor provisório.
Verri considerou temerária a decisão da gestão bolsonarista de adotar uma tarifa baixa sem consultar o Paraguai, pois o valor foi aplicado por algumas distribuidoras e gerou uma conta que terá de ser coberta por Itaipu para evitar que o consumidor arque com a diferença, com impactos sobre a inflação.
A tarifa na casa dos US$ 16 representa um aumento de quase 32% em relação ao valor provisório, que estava em vigor desde 1º de janeiro deste ano, mas significa uma queda de 19,5% em relação à tarifa definida no ano passado.
Há décadas existia grande expectativa em relação à tarifa de Itaipu em 2023. Era sabido que neste ano a dívida para a construção da usina seria quitada, abrindo espaço para redução do preço da energia. O fim da dívida foi comemorado no final de fevereiro em uma solenidade na sede da empresa.
Um estudo da gestão anterior apontou que, com o fim da dívida, a tarifa da usina binacional poderia cair para US$ 10 (R$ 49,45). Em entrevista à Folha, Verri afirmou que o valor de US$ 12 acompanha a redução da dívida.
A tarifa de Itaipu hoje custa mais do que a energia no chamado mercado à vista, que serve de parâmetro nacional para o preço desse insumo. Neste momento, em que os reservatórios das hidrelétricas estão cheios após as chuvas abundantes no verão, a energia está cotada a R$ 55 no Brasil.
O valor resultante da negociação vai gerar um extra, que pode ser partilhado pelos dois países para bancar projetos públicos.
O tratado que rege a usina estabelece que Itaipu não pode ter lucro, ou seja, ter dinheiro sobrando. A tarifa equivale às despesas para manter a usina, tecnicamente chamadas de Cuse (Custos de Serviço de Eletricidade). Eles são a soma de três grandes grupos.
O custo mais pesado sempre foi a dívida contraída para a construção da usina, que vinha representando pouco mais de 60% do total. Sem ele, permanecem o pagamento de royalties pelo uso da água e também o custo de exploração da energia.
Na prática, esse custo deveria agrupar apenas as despesas com operação e manutenção da usina, mas passou a incluir, desde 2003, desembolsos para cumprir a chamada missão socioambiental da usina. Com o passar dos anos, os projetos dessa missão foram concentrados em obras.
Segundo levantamento realizado pela consultoria PSR, uma das mais conceituadas do Brasil, os gastos com os chamados programas de responsabilidade socioambiental de Itaipu passaram de US$ 88,5 milhões (R$ 437,6 milhões) em 2013 para US$ 316,1 milhões (R$ 1,563 bilhão) neste ano.
No final de 2022, a administração da usina divulgou 26 empreendimentos financiados pela tarifa de energia na gestão bolsonarista de 2019 a 2022. Na lista estão grandes projetos, como as obras da Ponte de Integração Brasil-Paraguai e da Estrada Boiadeira, trecho da BR-487 no Paraná, que foram prestigiadas com visitas de Bolsonaro no ano passado.
A nova gestão de Verri pretende rever isso. Vai manter as obras já iniciadas, mas já foi divulgado que, dentro do escopo proposto pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Itaipu no lado brasileiro pretende investir em projetos voltado a educação, preservação do meio ambiente e inovação.
Pessoas próximas à empresa, que preferem não ter o nome revelado, afirmam que o argumento da missão socioambiental transformou a negociação da tarifa de Itaipu numa discussão muito mais política do que técnica, com prejuízos para consumidores que pagam pelos projetos, mas não podem usufruir de seus benefícios.
Os projetos socioambientais podem ser desenvolvidos em todo o território do Paraguai e, no Brasil, no Paraná. No entanto, obrigatoriamente, a energia de Itaipu é paga majoritariamente pelos consumidores das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste.
Isso ocorre porque apesar de a energia produzida por Itaipu ser dividida meio a meio entre os dois países, o Paraguai não consome toda a sua parte e, ao final, o que sobra é vendido para o Brasil. Os brasileiros das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste consomem 85% da energia distribuída pela usina binacional, com impactos na conta de luz dessas regiões.
A tarifa de US$ 16 foi recebida com preocupação por especialistas na área de energia. Esse segmento defende que o correto seria utilizar o extra da geração de caixa obtido com o fim da dívida para reduzir o valor da tarifa, contribuindo para uma queda na conta de luz das residências e no custo de operação das empresas.
Essa foi a segunda vez em que o Brasil tentou, mas não conseguiu, fixar uma tarifa menor. A tarifa de Itaipu deve ser negociada anualmente. No entanto, ficou congelada de 2009 a 2021. O Brasil não quis o congelamento para 2022. Seria ano de eleição, e Bolsonaro tinha a meta de reduzir a tarifa de energia. A conta de luz já pesava no bolso dos brasileiros, em um momento de queda na renda, e elevava a inflação.
Também unilateralmente, o governo brasileiro fixou a tarifa em US$ 18,97 (R$ 93,74) para aquele ano. Esse foi o valor praticado até agosto, quando a negociação fechou a tarifa de US$ 20,75. Essa negociação elevou o custo de exploração de energia de Itaipu ao inédito valor de US$ 1 bilhão (US$ 4,9 bilhões), liberando milhões de dólares para projetos socioambientais dos dois lados da fronteira.
Efetivamente, porém, para evitar o baque na conta de luz dos brasileiros, prevaleceu a tarifa na casa de US$ 18. A diferença foi coberta por uma conta de reserva. Alternativa semelhante terá de ser adotada agora para compensar distribuidoras que tenham utilizado o valor provisório de US$ 12.
FONTE: CORREIO DO ESTADO