Com 32 casos de racismo em Mato Grosso do Sul registrados até março, ocorrências desse tipo sofreram aumento de 188% no Estado. De acordo com os dados da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), em todos os 12 meses do ano passado, foram registrados 45 casos de racismo.

Isso significa que, em 2022, foram registrados uma média de três casos por mês, enquanto neste ano foram cerca de 10 casos nos primeiros três meses. O número de crimes de discriminação racial já estava em crescimento no período de 2021 a 2022, quando houve aumento de 30% dos casos em Mato Grosso do Sul nos primeiros sete meses de 2022 em relação a 2021.

Mesmo tendo essa crescente no número de casos ano após ano, o seguimento das investigações e as punições contra os agressores são raros no Estado.

Segundo o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS), por meio de sua assessoria de imprensa, de 2019 até agosto do ano passado, nenhum processo por racismo ou intolerância racial de cor e/ou etnia havia sido registrado no banco de dados da Corte. A reportagem pediu uma atualização desses dados, porém, até o fechamento desta edição, não teve retorno.

Enquanto os números de boletins de ocorrência por racismo saltaram, os de injúria racial tiveram uma queda no primeiro trimestre deste ano em relação ao ano passado. Nos 12 meses de 2022, foram 467 casos, uma média de 38 por mês, mas neste ano, até março, foram 72 registros, uma média de 24 casos a cada 30 dias.

A Lei nº 7.716, instituída em 1989, é conhecida com Lei do Racismo e pune todo tipo de discriminação ou preconceito, seja de origem, raça, sexo, cor ou idade. Já a injúria racial está amparada pelo 3º parágrafo do artigo 140 do Código Penal Brasileiro.

SEM SOLUÇÃO

Um dos casos de injúria racial de grande repercussão, no mês de agosto do ano passado, foi o do professor de origem nigeriana Sikiru Olaitan Balogun, mestre em Bioquímica e doutor em Ciências da Saúde, de 48 anos, que foi agredido junto do filho, de seis anos, por um casal de idosos, em um supermercado atacadista de Dourados.

De acordo com o boletim de ocorrência, o professor fazia compras com a família no mercado e, em determinado momento, deixou o filho na fila do caixa, cuidando de um carrinho de compras que imaginava ser o seu, enquanto foi pesar frutas.

Quando voltou à fila, a criança relatou que foi agredida pela mulher que estava em sua frente na fila, que também acusou o menino de roubo. Ao perguntar à mulher o que havia ocorrido, ela voltou a afirmar que o menino estava roubando seu carrinho e uma discussão iniciou-se.

O marido da idosa também entrou na briga e ambos chamaram pai e filho de pretos, em tom ofensivo. O homem também deu um soco na cara do professor.

Na delegacia, a mulher disse que não agrediu a criança e alegou que apenas retirou as mãos dele do carrinho, porque, segundo ela, já teria sido roubada “por esse tipo de gente”, se referindo a pessoas estrangeiras. Ela e o marido foram presos, porém pagaram fiança e foram liberados.

Em entrevista ao Correio do Estado realizada no ano passado, o professor ressaltou os reflexos do preconceito. “Somos seres humanos. Eu não escolho a cor da minha pele, eu nasci com aquilo. Será que faz sentido que condenemos alguém por isso? Isso não leva a nada. Só mostra o quão ruim é dentro da pessoa. Tem que respeitar a dignidade humana, é isso que cada humano deve para o outro, dignidade”, resumiu.

O professor acrescentou que o sentimento ao sofrer injúria racial é algo indescritível. “É uma coisa que cresce por dentro, não tem como descrever a dor”, finalizou. Procurado novamente pela reportagem neste ano, o professor Sikiru Balogun informou que, nove meses depois de ele ter ido à Justiça contra o agressor, “nada foi feito até o momento”. “Ainda não aconteceu a primeira audiência”, relatou.

NO ESPORTE

Em fevereiro deste ano, durante partida entre Coxim e Costa Rica, no Campeonato Sul-Mato-Grossense, houve uma discussão entre dirigentes e jogadores do Coxim com a arbitragem, e a polícia entrou em campo para dispersar os descontentes.

No entanto, o presidente do Coxim, Marcelo Yatecola, informou que houve injúria racial por parte de um policial. O jogo ocorreu no Estádio Laertão, em Costa Rica. O presidente do Coxim informou ao Correio do Estado que a polícia entrou no gramado apontando as armas em direção a alguns jogadores.

Um dos atletas era Richard, que afirmou, na época, ter sofrido racismo durante a ação policial. “O que a gente sofreu no campo não pode existir não. Polícia apontar arma para jogador. A gente não é bandido não, só porque eu sou de cor [o policial] me chamou de ‘seu preto do caralho’, isso aí não existe em futebol de Série A sul-mato-grossense. Isso não existe”, disse o jogador.

O presidente do clube, Marcelo Yatecola, confirmou que o boletim de ocorrência de injúria racial foi feito contra o policial. Porém, três meses depois de o caso ser registrado, de acordo com Yatecola, o processo ainda está em fase de depoimentos e de apuração da polícia sobre o ocorrido.

VINICIUS JÚNIOR

A discussão sobre casos de racismo ficou ainda mais forte nos últimos dias, após o jogador de futebol brasileiro Vinicius Júnior ser novamente vítima de ataques racistas durante uma partida do Campeonato Espanhol, entre o Real Madrid, seu clube, e o Valencia, no fim de semana, na casa do rival.

Vini foi chamado de “macaco” em coro por torcedores do time adversário, acionou o árbitro da partida e identificou os agressores. Porém, nada foi feito, a partida foi paralisada por alguns minutos e depois retomada.

Desestabilizado emocionalmente, o jogador foi expulso após acertar o rosto de Hugo Duro em uma confusão generalizada ao fim da partida, depois de ter sido agarrado pelo pescoço.

Após o fato, além de jogadores, clubes e até o presidente da Fifa, Gianni Infantino, comentarem o caso e apoiarem o jogador, o governo brasileiro também acionou a Embaixada da Espanha para prestar esclarecimentos sobre o acontecido.

Ontem, após repercussão negativa do fato, o Comitê de Competições da Real Federação Espanhola de Futebol (RFEF) decidiu anular o cartão vermelho com o qual Vinicius Júnior foi punido no domingo, durante a derrota por 1 a 0 do Real Madrid para o Valencia.

Além disso, a entidade determinou o fechamento de um dos setores do estádio do Mestalla, local dos ataques racistas, por cinco partidas, e multou o Valencia em 45 mil euros, cerca de R$ 241 mil.

Ao decidir anular a expulsão, o comitê argumentou que “o que aconteceu seria consequência de uma impunidade permanente e total, durante a presente temporada, de diversas ações de agressão física e verbal, por parte de adversários e torcedores, diante do jogador expulso, tudo isso diante da passividade da equipe de arbitragem, da RFEF e da LaLiga”.

O texto também diz que a decisão do árbitro De Burgos Bengoetxea em expulsar o jogador foi determinada pela “omissão de todo o conjunto ocorrido, o que viciou a decisão arbitral”.

O comitê argumenta que a imagem enviada pelo VAR ao árbitro da partida para avaliar o lance foi “totalmente parcial e determinante para o erro do árbitro na avaliação do ocorrido e, com isso, para a injusta expulsão do jogador, transformando a vítima em agressor”.

Segundo o texto, a arbitragem ignorou que o jogador foi agarrado pelo pescoço pelos jogadores Hugo Duro e Mamardashvili. Em outro trecho, destaca que, na súmula da partida, o árbitro relatou apenas o caso do torcedor que gritou “macaco” e foi identificado pelo próprio Vinicius, porém, as ofensas foram reproduzidas em coro no estádio. (Com Estadão Conteúdo)

 

FONTE: CORREIO DO ESTADO