O julgamento da revisão do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) pode ser adiado mais uma vez pelo STF (Supremo Tribunal Federal). A análise do caso está na pauta do órgão desta quarta-feira (8), mas poderá ficar para depois, a pedido das centrais sindicais.

O debate sobre a remuneração do Fundo de Garantia, hoje em 3% ao ano mais TR (Taxa Referencial), começou em abril, mas foi interrompido após pedido de vista do ministro Kassio Nunes Marques. Em outubro, novo julgamento estava marcado, no entanto, houve adiamento por solicitação do governo.

O motivo do pedido de espera é que as centrais sindicais, o Ministério do Trabalho e Emprego, a AGU (Advocacia-Geral da União) e a Caixa Econômica Federal querem mais tempo para chegar a um acordo sobre a correção do dinheiro dos trabalhadores depositado no fundo e um possível pagamento dos valores retroativos.

A solicitação feita na ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 5.090 é para que a TR (Taxa Referencial) seja considerada inconstitucional e em seu lugar seja definido um índice de inflação para corrigir o FGTS, que pode ser o IPCA-E (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – Especial) ou o INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor).

Em seu voto, o ministro relator Luís Roberto Barroso, hoje presidente da corte, considerou que o FGTS deve ter ao menos a correção da poupança, atualmente em 6,17% ao ano mais TR, voto seguido pelo ministro André Mendonça.

Barroso, porém, não declarou a inconstitucionalidade da TR e propôs que a nova correção passe a valer do julgamento para frente, sem considerar ações que já discutem o caso na Justiça ou a perda dos trabalhadores desde 1999, quando houve mudança na remuneração do fundo.

Relatório da AGU mostra que a substituição da TR pela inflação tem impacto de R$ 660 bilhões nos cofres públicos, caso a nova correção seja aplicada a todas as contas no Fundo de Garantia de forma retroativa. As perdas dos trabalhadores foram calculadas em 88,3% até 2013, segundo estudo da Força Sindical e do partido Solidariedade, que levou o caso à Justiça.

Miguel Torres, presidente da Força, afirma que o que as centrais buscam é um entendimento para que seja possível receber os retroativos, mesmo de forma parcelada. Além disso, o índice em si ainda não é consenso, se a poupança é vantajosa, se a inflação é melhor ou se um indicador misto —como quer o governo— seja mais benéfico.

“Ele [o ministro Barroso] deu meia vitória para nós, pois reconhece que tinha que ter uma correção a partir de agora, para frente, pela poupança, para o trabalhador não ter prejuízo, mas não fez nada para trás. Então isso é um problema. Nós achamos que tem que também corrigir para trás”, afirma.

“Dentro das centrais, o que nós fizemos foi pedir o adiamento, até porque o governo também quer fazer um índice misto, que não tem ainda consenso das centrais, Mas não avançamos, falta estudo.”

A negociação entre as centrais sindicais e o ministro Luiz Marinho (Trabalho) ganhou força no final de outubro. Em evento de sindicatos em 26 de outubro, o ex-deputado Paulo Pereira da Silva (Solidariedade), o Paulinho da Força, defendeu acordo dos trabalhadores com governo justamente pelo fato de Barroso votar contra os retroativos.

Para Paulinho, mesmo sem os atrasados, o voto do ministro já é um avanço, embora o sindicalista entenda que é necessário debater o que fazer com as ações que estão na Justiça. “Tudo que a gente conseguir ganhar, além do que a gente tinha, é importante”, disse à reportagem da Folha.

“Eu sei que é um problema econômico para o país. Mas lá atrás, no governo Fernando Henrique, nós fizemos um acordo [para repor perdas no FGTS dos planos Verão e parte do Collor 1], e o que o governo [Lula] deveria fazer era iniciar uma negociação com as centrais sindicais para ver o que acontece para trás. Eu acho que é isso. Sem negociação não tem solução.”

Em entrevista no início de outubro, Marinho disse considerar o voto de Barroso “um equívoco”. “Eu penso que o primeiro voto do ministro Barroso traz a essência, mas tem um detalhe que eu espero que não vingue, que é criar um novo indicador. Não pode vincular, por exemplo, a no mínimo a poupança. É um equívoco.”

Dentre os argumentos utilizados pela AGU contra a mudança na remuneração do FGTS está o de que hoje há distribuição do lucro do fundo para os trabalhadores, que, na maioria dos anos desde 2017, quando começou a ser distribuído, trouxe correção acima da inflação para o dinheiro nas contas.

O ministro do Trabalho acredita que, para seguir com bons lucros, é necessário que não se vincule o FGTS a outro indicador que possa fazer com que haja menos dinheiro no Fundo de Garantia, diminuindo investimentos em habitação e saneamento básico, hoje base para aumentar os resultados.

Mario Avelino, presidente do Instituto Fundo de Garantia do Trabalhador, é contra novo adiamento do julgamento e diz que as centrais poderiam ter se posicionado antes, já que o voto do ministro Barroso é conhecido desde abril.

“Não justifica um adiamento de 30 dias, sendo que exatamente 20 dias atrás houve o mesmo pedido pelo governo”, diz.
“Como ONG [Organização Não Governamental] nosso interesse maior é manter a sustentabilidade do fundo para os investimentos sociais que beneficiam principalmente a camada de baixa renda, que a atualização monetária seja mantida por índices que reflitam a inflação e que os juros se mantenham 3%”, afirma Avelino.

O QUE É A REVISÃO DO FGTS?

É uma ação judicial na qual se questiona a constitucionalidade da correção do dinheiro depositado no Fundo de Garantia. Hoje, o retorno do FGTS é de 3% ao ano mais a TR (Taxa Referencial), que rende próxima de zero. Com isso, a atualização do dinheiro fica abaixo da inflação, deixando de repor as perdas do trabalhador.

Desde 1999, quando houve modificação no cálculo da TR, os trabalhadores acumulam perdas. A revisão corrigiria essas perdas, que chegaram a 88,3% até 2013.

QUEM TEM DIREITO?

Todos os trabalhadores com dinheiro no fundo a partir de 1999 podem ter direito à correção se o Supremo entender que o índice utilizado estava errado e trouxe perdas. Segundo a Caixa, há 117 milhões de contas do Fundo de Garantia entre ativas e inativas.

Especialistas calculam que ao menos 70 milhões de trabalhadores podem ser beneficiados. É possível que um trabalhador tenha mais de uma conta, aberta a cada novo emprego com carteira assinada.

Se houver inconstitucionalidade e o índice de correção for alterado, a expectativa é que todos tenham seus depósitos corrigidos pela nova regra a partir de então. Para definir questões como o pagamento de valores de anos anteriores, por exemplo, o STF terá de modular o tema.

Na modulação, pode decidir que a Caixa deve pagar apenas a quem entrou com ação até 2014 ou até a data em que foi marcado o julgamento ou ainda apenas para os que fazem parte de ações coletivas. É preciso, no entanto, esperar o que Supremo irá decidir e como irá modular a questão.

AINDA É POSSÍVEL ENTRAR NA JUSTIÇA?

Os especialistas não recomendam que o trabalhador entre com ação do FGTS na Justiça para repor as perdas. O motivo é que o voto do Barroso já garante a nova correção para todas as contas do Fundo de Garantia, a partir do julgamento do Supremo -não se sabe se a partir da data final de julgamento, da publicação da ata ou do dia em que os ministros começaram a julgar o tema, em abril deste ano-, mas sem corrigir valores passados.

Quem entrar na Justiça agora poderá perder dinheiro.

COMO FUNCIONA O FUNDO DE GARANTIA?

O FGTS funciona como uma poupança para o trabalhador. O fundo foi criado em 1966, com o fim da estabilidade no emprego, e passou a valer a partir de 1967. Todo mês o empregador deposita 8% sobre o salário do funcionário em uma conta aberta para aquele emprego.
Há ainda a multa de 40% sobre o FGTS caso o trabalhador seja demitido sem justa causa. Desde a reforma trabalhista de 2017, há também a possibilidade de sacar 20% da multa após acordo com o empregador na demissão.

QUEM TEM DIREITO AO FGTS?

Todo trabalhador com carteira assinada deve ter o FGTS depositado, o que inclui, atualmente, as empregadas domésticas. Até 2015, não havia direito ao FGTS por parte das domésticas. A PEC das Domésticas, porém, trouxe essa possibilidade em 2013, mas a lei que regulamentou a medida e possibilitou os depósitos dos valores por parte dos empregadores passou a valer apenas dois anos depois.

 

FONTE: CORREIO DO ESTADO