Discutida há muitos anos, porém nunca implementada, a possibilidade de se criar um sistema nacional das polícias para padronizar boletins de ocorrência e dar acesso nacional a antecedentes criminais voltou à pauta por meio do Ministério da Justiça e Segurança Pública.

De acordo com o titular da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) Antonio Carlos Videira, a medida pode trazer mais celeridade e padronização às investigações de Mato Grosso do Sul e de todo o País.

“Eu acho muito interessante a criação desse sistema nacional porque eu defendo que deveria ter esta padronização, não só para boletins de ocorrência, mas para peças de procedimentos periciais e de inquérito policial. Esse sistema pode trazer também celeridade para o processo e informação, com a utilização de um banco de dados nacional”, declarou Videira.

Essa integração entre as polícias já está prevista na Lei nº 13.675 de 2018, que instituiu o Sistema Único de Segurança Pública (Susp), mas ele nunca saiu do papel.

Na lei é dito que uma das diretrizes da Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (PNSPDS) seria a sistematização e o compartilhamento das informações de segurança pública, prisionais e sobre drogas em âmbito nacional.

De acordo com informações do jornal O Globo, na visão de integrantes do Ministério da Justiça e Segurança, a falta de padrão na notificação de crimes prejudica diagnósticos sobre segurança e políticas públicas na área.

Em alguns estados, por exemplo, é exigido que o corpo seja achado para que o caso seja classificado como homicídio, em outros, não.

A falta de um certificado nacional de fichas criminais também possibilitou um descontrole no acesso a armas pela população civil.

Questionado sobre situações na polícia que poderiam ser resolvidas com o sistema nacional, o titular da Sejusp citou exemplos de como seria possível identificar foragidos de outros estados mais facilmente.

“Mato Grosso do Sul tem convênio com diversos estados, com os quais temos termo de cooperação para acessar os registros de boletins de ocorrência deles. Mas, se existir um BO nacional, por exemplo, uma pessoa de outro estado que veio trabalhar em MS e foi para a delegacia registrar um boletim de ocorrência, seria possível verificar nos dados nacionais se essa pessoa tem um mandado de prisão em aberto em outro estado”, descreveu Videira.

O secretário também citou que um desafio na implementação desse sistema nacional seria a integração dessa nova plataforma com o banco de dados da polícia de cada estado.

“Cada estado tem praticamente um software para armazenar os boletins de ocorrências antigos, então, o desafio deste sistema nacional seria integrar todos esses bancos de dados em um único sistema”, disse.

DIRETRIZ FEDERAL

Apesar de a proposta ser uma forma de organizar o sistema de registros de ocorrências na segurança pública, que ajuda a combater o crime organizado em âmbito nacional, a monopolização da coordenação do Susp poderia trazer travas e uma possível tramitação de proposta de emenda à Constituição (PEC) sobre o tema.

De acordo com o advogado criminalista Benedicto Arthur de Figueiredo Neto, a proposta do ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, faria uma profunda alteração ao título V, capítulo III da Constituição Federal, que versa sobre a segurança pública.

“Esta criação da PEC pode monopolizar a coordenação do Sistema Único de Segurança Pública pelo governo federal, sob o argumento de dar efetividade à Lei nº 13.675/2018, que disciplina a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública. O assunto é polêmico, já que o artigo 144 da Constituição Federal reflete sobre o pacto federativo republicado da divisão de competências entre União, estados e municípios, e uma alteração nesse sistema, na forma de dar monopólio à União para editar leis gerais sobre a segurança pública, vai gerar um conflito com estados e municípios”, explicou o advogado.

Apesar desse possível entrave na criação de uma PEC para a efetivação desse sistema nacional de boletins de ocorrência, o advogado Benedicto Figueiredo Neto acredita que há uma boa intenção na proposta de integração nacional do sistema.

“A PEC tem boa intenção, que é o combate ao crime organizado, com o argumento de que o crime está extrapolando as barreiras locais, gerando interesse nacional. O problema será os entes federados aceitarem essa submissão a um monopólio federal, retirando-lhes a parcela da administração da segurança local, com a ideia de que o governo federal estabeleça as diretrizes vinculantes para estados e municípios sobre segurança pública e sistema prisional”, analisou.

Saiba

Apesar da autoria federal, o sistema nacional de boletins de ocorrência e antecedentes criminais deverá ser alimentado com informações atualizadas pelas polícias de cada estado brasileiro.

 

FONTE: CORREIO DO ESTADO