Com o foco voltado para as mudanças educacionais no Ensino Médio/Superior, o poder público acaba desvalorizando ou até mesmo negligenciando um pilar importante para a formação dos alunos na escola: o desenvolvimento do aprendizado dos estudantes de 0 a 6 anos, os anos iniciais.

Para o especialista em Educação Fernando Bumlai, que atualmente é diretor da Faculdade Insted, o primeiro passo para melhorar o aprendizado dos alunos na Educação Infantil está na valorização da formação profissional dos professores que atuam no ensino da faixa etária dos 0 a 6 anos.

“Hoje não temos uma boa formação de professores da base. E para a gente falar de educação, a gente tem que fazer uma base sólida. Existe uma dificuldade muito grande ainda em valorização dos profissionais da área de educação, principalmente da Educação Infantil”, afirmou Bumlai.

O trabalho precisar ser feito em termos de valorização salarial e, principalmente, de eles terem uma formação muito sólida, porque 75% dos professores que vão estar no Ensino Fundamental têm a sua formação em EAD [educação à distância]”, complementou.

Na visão de Bumlai, essa formação técnica deve ir além das atividades pedagógicas teóricas, proporcionando mais experiências práticas para os profissionais que vão atuar em sala de aula com o ensino infantil.

“Nada contra o EAD, desde que bem-feito. Só que a gente tem que lembrar que a formação de quem trabalha com a Educação Infantil tem que ser uma educação prática. Por que a gente não exige uma quantidade mínima de formação prática para esses professores que vão estar na sala de aula com esses alunos, que vão estar sendo a essência da base da nossa sociedade?”, questionou.

Em junho, o Ministério da Educação (MEC) aprovou o parecer do Conselho Nacional da Educação (CNE) que estabelece que cursos de formação para professores, incluindo as licenciaturas, devem disponibilizar no mínimo 50% da carga horária de forma presencial.

A EAD para capacitação de docentes tem se expandido nos últimos anos, porém, há questionamentos sobre sua qualidade por parte de especialistas. A maior parte das associações de faculdades de EAD criticou o novo limite de aulas à distância e apontou dificuldades para seguir o modelo.

O ministro da Educação, Camilo Santana, vinha se posicionando desde o ano passado contra os cursos não presenciais, especialmente na formação de professores, dizendo que os que são 100% EAD deveriam acabar.

O crescimento na oferta de cursos EAD ocorre no País desde 2000. Entretanto, o ritmo de criação de cursos subiu a partir de 2018, impulsionado pelo decreto do então presidente da República, Michel Temer (MDB), no ano anterior que flexibilizou a abertura de polos de EAD. As graduações cresceram 700% entre 2012 e 2022, diz o MEC.

Além da qualificação dentro da sala de aula, Bumlai também entende que os professores precisam estar preparados para trabalhar na gestão da escola. Isso porque o encargo da direção das escolas públicas também é realizado pelo profissional pedagogo.

“Os diretores de escola hoje têm uma autonomia gigante do que eles vão fazer. É importante formar professores,
e que eles sejam bons gestores. Ninguém fala em formação de gestores para essas escolas. Você pega um professor de Química que tem um bom relacionamento na sua comunidade e faz ele virar um gestor, um diretor de escola. Ele passa a ter autonomia de comprar merenda, ele assina cheque dentro de uma escola, enfim, é uma responsabilidade grande”, disse.

“É fundamental formar os diretores de escola para que sejam bons gestores e formar os professores para que sejam bons professores”, continuou.

Para Bumlai, também é necessário que sejam pensadas melhorias na formação dos primeiros anos da Educação Infantil em Campo Grande, por ser uma etapa de construção do aprendizado.

“A gente tem que dar hoje uma valorização cada vez maior para aquilo que a gente não levava tanto em consideração, que são os anos iniciais. A preocupação atual é com a educação de 0 a 6 anos, ela tem um impacto na vida profissional, na vida estudantil das próximas gerações, que é enorme”, analisa Bumlai.

“Toda construção e fundação do aprendizado vêm nessa primeira infância, e tem que se olhar para a base. O que nós estamos fazendo com essas crianças no momento em que elas estão propícias a aprender, que elas fazem um milhão de ligações de sinápticas por segundo?”, refletiu.

No entendimento de Bumlai, na educação atualmente existe uma valorização cada vez maior não só da formação técnica – quepara ele é fundamental –, mas também da formação de soft skills, de habilidades socioemocionais, focando em aprendizados de trabalho em equipe, por exemplo, de forma transversal com diferentes áreas.

“É uma dificuldade muito grande de qualquer escola e de qualquer instituição de ensino saber quais serão as próximas profissões, mas é necessário observar o que podemos oferecer para a educação do futuro. A gente tem que trabalhar muito mais entendendo como é que a gente faz para aprender, o que a gente aprende, como é que a gente aprende, porque cada um tem uma forma diferenciada de aprender”, declarou o especialista.

EMEIS

Na Rede Municipal de Ensino de Campo Grande (Reme), a oferta de Educação Infantil de 4 meses a 5 anos são realizadas nas Escolas Municipais de Educação Infantil (Emeis).

De acordo com o Conselho Municipal de Educação de Campo Grande, a Educação Infantil – que é a primeira etapa da Educação Básica – tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade.

A Educação Infantil é oferecida na Capital em creches e pré-escolas, as quais se caracterizam como espaços institucionais não domésticos e que se constituem como estabelecimentos educacionais públicos ou privados.

Na Reme, o ano letivo 2024 começou com queda no deficit de vagas nas Emeis. Enquanto em 2023 o montante era de
9 mil alunos na fila de espera de creches, neste ano o número diminuiu para 6.919 crianças, segundo documento da Secretaria Municipal de Educação de Campo Grande (Semed).

Mesmo assim, o deficit na Educação Infantil neste ano só registrou 23% de queda.

Por meio de nota, a Semed comunica que foram disponibilizadas 6.369 vagas neste ano nas Emeis e que, ao todo, a Reme atende cerca de 105 mil alunos. Em 2023, esse total era de 108 mil estudantes.

No Brasil, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei Federal nº 9.394/1996) estabelece a obrigatoriedade do ensino para indivíduos de quatro a 17 anos. Porém, essa mesma legislação não abrange o ensino infantil – o que, para alguns especialistas, é um dos problemas educacionais do País.

Em seu Plano Nacional de Educação (PNE) para o decênio 2014-2024, o MEC tem como objetivo chegar à marca de 50% da população de até três anos matriculada na Educação Infantil.

Entretanto, de acordo com o Censo Escolar 2023, publicado no mês passado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), para que o País atinja esse propósito, “precisa sair das atuais 4,1 milhões e atingir algo em torno de 5 milhões de matrículas” nessa etapa de ensino.

INFRAESTRUTURA

Em 2023, o município anunciou investimento de R$ 40 milhões para a reforma de 205 unidades escolares, sendo 106 delas Emeis. Desse quantitativo, por meio do programa Juntos Pela Escola, houve a entrega de 16 reformas de Emeis no primeiro semestre.

Nas unidades contempladas, foram realizadas quatro etapas do Juntos Pela Escola, entre elas a revisão e a manutenção do sistema de cobertura e reparos em forros e calhas. A pintura configura a segunda etapa, seguida de adaptações de acessibilidade, com a instalação de pisos táteis, barras de apoio e pinturas de símbolos.

A quarta etapa envolve a manutenção do reservatório.

Em 2023, fiscalizações que foram feitas pelo Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul (TCE-MS) apontaram a necessidade de reformas, uma vez que vistorias constataram a falta de acessibilidade em Emeis da Capital.

Os dados levantados pelos auditores mostraram que, em 66,67% de 12 escolas municipais de Campo Grande e de outros municípios do Estado, foram observadas desconformidades aparentes nas instalações adaptadas existentes. Na Capital, a unidade vistoriada foi a Emei Campo Verde, no Bairro Nova Lima.

De acordo com o detalhamento do TCE-MS, 88,89% das unidades educacionais que passaram por vistoria não contam com corrimãos acessíveis nem proteção a meia altura nas laterais de escadas, balcões ou sacadas (guarda-corpos), além de não haver sinalizações de avisos sonoros.

Outro quesito fundamental para a acessibilidade é o piso/parede tátil. Segundo os resultados da fiscalização, há a inexistência desse recurso em 66,67% das escolas visitadas.

 

FONTE: CORREIO DO ESTADO